TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
297 acórdão n.º 294/18 Z – Está assim, em suma, consagrada uma reserva de lei material que se traduz numa obrigação de constar de lei toda a disciplina essencial de cada imposto, o que, de acordo como o n.º 2 do artigo 103.º da Constituição inclui a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes. A’ – Estamos assim também perante um princípio de legalidade qualificada do qual decorre a tipicidade do impos- to ou “ numerus clausus ” (“ nullum tributum sine lege ”), B’ – Sendo ainda de realçar que a Constituição consagra. ainda expressamente no n.º 3 do Art.º 103.º o direito à resistência em matéria de impostos, podendo o cidadão resistir ao pagamento exigido de um imposto que não tenha sido criado no estrito cumprimento da Constituição, o que é o caso dos presentes autos. C’ – Este princípio tem repercussões em matéria de interpretação da lei fiscal, tal como limita o uso de conceitos vagos e abertos e a concessão de ampla discricionariedade à Administração Tributária, e o intérprete e aplica- dor da norma fiscal tem de ter presente que não poderão ser exigidos ao contribuinte impostos que não sejam criados e disciplinados por lei, entendendo-se por disciplinados por lei, que seja esta a determinar todos os elementos essenciais. D’ – Ainda que não sejam de afastar as regras gerais de interpretação, para as quais a própria LGT remete, há sem- pre que ter em conta este princípio constitucional que de alguma forma se impõe como limite à interpretação de normas fiscais, interpretação esta que terá de ter igualmente em consideração a proteção da confiança e segurança jurídica dos contribuintes. E’ – É pois inquestionável que o princípio da legalidade fiscal impõe que seja a lei, ou decreto-lei emitido ao abrigo de autorização legislativa, a criar os impostos e também a definir os seus elementos essenciais [artigo 165.º, n.º 1, alínea i) , e n.º 2, da Constituição]. (…) F’ – Assim, não oferece dúvida que os elementos do tipo tributário têm de ser definidos por lei aprovada pela Assembleia da República ou por decreto-lei emitido pelo Governo ao abrigo de autorização legislativa que incida sobre esse elemento. G’ – No caso dos autos, é indiscutível que a norma do n.º 2 do Art.º 8.º D.L. 55/2008, de 26 de março não tem natureza meramente regulamentar. H’ – Não consta, assim, da autorização legislativa que a Assembleia Legislativa concedeu ao Governo qualquer referência à possibilidade de proceder à modificação e/ou ampliação do universo de sujeitos passivos do IRC nem para alteração das regras de incidência. I’ – Cumpre ainda referir que, mesmo que a norma do n.º 2 do Art.º 8.º D.L. 55/2008, de 26 de março, tenha resultado da obrigação de transposição das diretivas comunitárias, ainda assim, tal transposição teria que obedecer às exigências constitucionais da reserva de lei fiscal. J’ – Como o Tribunal Constitucional tem várias vezes afirmado, uma norma emitida sem autorização parlamentar só padece do vício de inconstitucionalidade orgânica quando estipula qualquer efeito de direito inovatório que devesse recair na competência reservada da Assembleia da República (…) L’ – Deve por isso manter-se o juízo de inconstitucionalidade da norma em causa, por violação dos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i) , da Constituição, a norma do n.º 2 do Art.º 8.º D.L. 55/2008, de 26 de março, quando interpretada no sentido de ao mandar regulamentar as medidas de incentivo pelas regras estabelecidas da Portaria n.º 170/2002, de 28 de fevereiro, extinguir, na prática, o benefício fiscal que o Decreto-Lei que visa regulamentar instituiu. M’ – E o que se verifica no entendimento da Recorrida, e da decisão arbitral em recurso, é que a norma do n.º 2 do Art.º 8.º D.L. 55/2008, de 26 de março, ao mandar regulamentar as medidas de incentivo pelas regras estabe- lecidas da Portaria n.º 170/2002, de 28 de fevereiro, extingue, na prática, o benefício fiscal que o Decreto-Lei que visa regulamentar instituiu. N’ – A alteração introduzida pelo n.º 2 do Art.º 8.º DL 55/2008, de 26 de março, é pois, uma norma inovadora, na medida que repristinou a Portaria n.º 170/2002, de 28 de fevereiro, a qual exclui do seu âmbito de apli- cação atividades como a que está em causa nos autos – a agrícola, O’ – Sendo portanto mais do que questionável a exclusiva intenção de regulamentação a que se alude no preâm- bulo do DL 55/2008; na verdade, esta configura uma lei inovadora, visto não se ter limitado a regular as
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