TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

296 M – O Art.º 8.º, n.º 2 do DL 55/2008, ao dispor que “Às medidas de incentivo regulamentadas pelo presente decreto-lei são aplicáveis as regras estabelecidas pela Portaria n.º 170/2002, de 28 de fevereiro, até à aprovação da portaria referida no número anterior”, cria, em bom rigor uma norma de incidência, na exata medida em que a Portaria (cujo desiderato seria apenas regulamentar o acesso aos benefícios – ex vi n.º 7 Art.º 43.º EBF) exclui, entre outras, a agricultura do acesso aos benefícios, e logo, nada, quanto a este ponto, regulamenta, antes sim cria, ex novo verdadeiras normas de incidência, N – E tal norma de incidência, ao ser definida por simples Portaria, viola claramente o Princípio da Reserva de lei [Art.º 165.º, n.º 1, alínea i) CRP], O – Constituindo a norma de incidência, em abstrato, a definição dos pressupostos tributários que fazem nascer a obrigação de imposto, em que, em abstrato, se visa definir a matéria coletável do imposto e identificam os sujeitos passivos da relação jurídica fiscal a que o mesmo dará lugar, E sendo o momento, em suma, em que a lei determina o que vai estar sujeito a imposto (incidência real) e quem vai estar sujeito a imposto (incidência pessoal), trata-se, indubitavelmente, de um elemento essencial do imposto, e consequentemente, a incidência está sujeita ao princípio da legalidade fiscal (Art.º 103.º, n.º 2 da CRP). P – Em matéria de incidência, positiva ou negativa, só a lei e o decreto-lei autorizado são fonte de Direito Fiscal. Cfr. Art.º 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP (reserva relativa de competência da Assembleia da República). Q – A lei constitucional ocupa assim, compreensivelmente, lugar de particular relevo na hierarquia das fontes de Direito em geral, e no campo do Direito Tributário, para além da sua função comum de supremacia relati- vamente à lei ordinária, define ainda a zona reservada à lei em sentido formal, em obediência ao princípio da legalidade do imposto. Assim, na Constituição, o princípio da legalidade do imposto, conjugado com o da anualidade, reflete-se nos preceitos contidos nos Arts.º 103.º/2, 104.º, 165.º/1, i) . Também poderá entender- -se que o princípio da igualdade fiscal tem acolhimento na Constituição, no Art.º 13.º e no Art.º 104.2/l. R – O princípio da legalidade não sendo exclusivo do Direito Fiscal, apresenta à face deste um significado mais rigoroso e exigente; com efeito, o princípio da legalidade desdobra-se em dois aspetos: o da preeminência da lei e o da reserva da lei: quanto à preeminência da lei, ele domina toda a ordem jurídica, se algum modo excluir o Direito Privado, não obstante o princípio da autonomia da vontade. Em qualquer sector do Direito, só se pode agir validamente em subordinação à lei, aceitando a sua preeminência. Mesmo quando as partes interessadas decidem, preferem, optam livremente, de harmonia com a sua vontade, fazem-no na medida em que a lei ou o costume com relevância de lei assim o admite. S – Quanto à reserva de lei, trata-se de um aspeto menos amplo e menos extenso; mas mesmo assim, atinge secto- res do Direito Privado, designadamente os institutos respeitantes ao estado e à capacidade das pessoas (Art.º 165.º/1- s) CRP). T – Este mesmo aspeto de reserva de lei ganha particular relevo no campo do Direito Fiscal, porquanto os impostos só podem ser criados e estruturados por lei. E trata-se de uma reserva de lei em sentido formal, posto que a lei criadora dos impostos deve provir de um órgão com competência legislativa normal (Arts.º 103.º, 165.º/1- i) CRP). U – O Governo, por seu turno, pode legislar, através de decretos-lei, sobre outras matérias tributárias, alheias àquela zona reservada. E mesmo sobre as matérias pela Constituição reservadas à lei formal, poderá o Gover- no legislar, também através de decretos-lei, na base de autorizações legislativas. Em tal caso, a Assembleia da República limita-se a “definir o objeto, o sentido, a extensão e a duração da autorização”. V – Baseado nessa definição, já o Governo poderá criar o imposto na mesma definição indicado, e formular as respetivas normas de incidência, incluindo as que fixem taxas e estabelecem benefícios fiscais, assim como legislar sobre garantias dos contribuintes. X – Relativamente às matérias reservadas à lei, e nos limites impostos pelo Art.º 103.º CRP, só parecem ser admissíveis em matéria tributária, regulamentos complementares, ou de execução, não sendo admissíveis regulamentos autónomos, ou independentes, que é o que sucede na situação sub judice .

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