TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

286 É que, quando a imparcialidade do juiz ou a confiança do público nessa imparcialidade é justificadamente posta em causa, o juiz não está em condições de «administrar justiça». Nesse caso, não deve poder intervir no processo, antes deve ser pela lei impedido de funcionar – deve, numa palavra, poder ser declarado iudex inhabilis . Importa, pois, que o juiz que julga o faça com independência e imparcialidade. E importa, bem assim, que o seu julgamento surja aos olhos do público como um julgamento objectivo e imparcial. É que, a confiança da comunidade nas decisões dos seus magistrados é essencial para que os tribunais, ao «administrar a justiça», actuem, de facto, «em nome do povo» (cfr. artigo 205.º, n.º 1, da Constituição).”» 19.3. Da análise que antecede resulta que, para além da projeção destes princípios no princípio do juiz natural, como acima ponderado, os parâmetros constitucionais invocados pelos recorrentes – independência dos juízes, direito a um julgamento imparcial e garantias de defesa – propiciam uma ponderação conjunta, dadas as assinaladas ligações entre os princípios constitucionais ora chamados à colação. Vejamos, assim, se da configuração da distribuição de competências entre os juízes das secções regionais do Tribunal de Contas em sede de efetivação de responsabilidade financeira feita pelo legislador resulta a violação dos parâmetros constitucionais invocados. 20. Para os recorrentes, o regime contido no artigo 108.º (n. os 2 e 3) da LOPTC, na medida em que habilita: i) a intervenção de dois diferentes juízes no mesmo processo jurisdicional, que corre termos no mesmo tribunal; ii) a intervenção no processo jurisdicional, até à contestação, do juiz que interveio na fase anterior e que aprova o relatório da auditoria, com base no qual o Ministério Público desencadeia o processo de responsabilidade financeira; e iii) a intervenção no processo jurisdicional de outro juiz, após a contestação, desrespeita o princípio da independência dos juízes, o direito a um julgamento justo e imparcial e as garantias de defesa dos demandados. Efetivamente, a específica configuração do processo de efetivação de responsabilidades financeiras no âmbito regional determina que o juiz da secção regional territorialmente competente aprova o relatório de audiência e mantém a condução do processo até à contestação, enquanto o juiz da outra secção regional é responsável pela audiência de julgamento, ponderando a prova produzida, e decide a causa. Ora, a distribuição de competências entre os juízes das secções regionais do Tribunal de Contas, nestes moldes, desrespeita a Constituição? A resposta é negativa. 21. Considera-se que a participação do primeiro juiz no processo jurisdicional em causa – repartidas as competências nos termos acima sumariados – não tem as virtualidades de determinar absolutamente o processo jurisdicional de efectivação de responsabilidades financeiras nem de condicionar ou limitar o juiz do julgamento, de modo a ter-se por desrespeitada a sua independência no ato de julgar. 21.1. Isto, já que, em primeiro lugar, a aprovação do relatório de auditoria – de que resultem suficiente- mente indiciados ilícitos financeiros que possam consubstanciar um processo de efectivação de responsabili- dades financeiras –, não obstante se configurar formalmente como um ato judicial, tem por principal escopo constituir a base de uma ação de responsabilidade financeira a intentar por quem detenha legitimidade processual ativa junto do Tribunal de Contas (isto, sem prejuízo de a lei permitir, desde 2006, a propositura de acções baseadas em relatórios autónomos de OCI, prescindindo da respetiva aprovação judicial). A legiti- midade processual ativa junto do Tribunal de Contas é cometida, em primeira linha, ao Ministério Público, podendo outras entidades – órgãos de controlo interno e órgãos de direcção, superintendência ou tutela sobre os visados (artigo 89.º da LOPTC) –, ainda que subsidiariamente, vir a desencadear o processo para efectivação de responsabilidades financeiras. Retomando-se o enunciado no Acórdão n.º 812/17, «culminando uma fase “pré-processual” do pro- cedimento que visa a efetivação de responsabilidades financeiras, a decisão judicial que aprova o relatório já

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