TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

260 Daí que a responsabilidade dos membros do Governo não ocorra quando tiverem decidido de acordo com os pareceres e informações que lhes foram presentes. Pretendem os recorrentes que este regime de responsabilidade financeira seja aplicável aos membros da AMISM. Mas sem razão. Na verdade, os recorrentes, ao praticarem os atos em causa, fizeram-no como titulares de órgãos de uma associação de municípios (a AMISM), e não no exercício de funções autárquicas e enquanto titulares de órgãos autárquicos, pelo que a questão da violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP), nos termos invocados pelos recorrentes, nunca se colocaria Em todo o caso, sempre se dirá que a interpretação segundo a qual o artigo 36.º do Decreto n.º 22 257, de 25 de fevereiro de 1933 não é aplicável aos titulares de órgãos autárquicos não padece de qualquer inconstitucionali- dade, por violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP). Para tanto, basta atentarmos na exposição efetuada pelo Excelentíssimo Senhor Presidente do Tribunal de Contas, Dr. Vitor Caldeira, na Assembleia da República (Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa), realizada em 8 de novembro de 2016, que, na parte relevante, se transcreve: “( ...) Em primeiro lugar, o instituto da responsabilidade financeira, tal como previsto e regulado na Lei do Tribu- nal de Contas, é uma decorrência do artigo 214.º/1- c) da Constituição, que atribui expressamente ao Tribunal o poder para “efetivar a responsabilidade por infrações financeiras, nos termos da lei”. E, de facto, o legislador veio concretizar os seus termos, consagrando, como princípio inerente à gestão pública, o princípio da responsabilidade financeira pelo exercício de funções públicas, estabelecendo uma articulação com a função de controlo financeiro, a cargo do Tribunal de Contas e dos órgãos de controlo interno. Tal significa que a efetivação da responsabilidade por infrações financeiras é, do ponto de vista jurídico-cons- titucional, uma consequência lógica do exercício da gestão pública e também da função de controlo financeiro a cargo do Tribunal. Trata-se, por isso, de uma forma de responsabilidade juridicamente determinada e de aplicação uniforme a todos os gestores públicos. Em segundo lugar, o regime de responsabilidade financeira dos membros do Governo, tal como previsto no atual artigo 61.º/2 da Lei do Tribunal, constitui um regime-exceção, cuja especificidade resulta da natureza do órgão e das respetivas funções (que podem ser políticas, legislativas ou administrativas) Na verdade, os membros do governo, enquanto órgãos de natureza política que integram um órgão mais amplo (o Governo), são executores de uma política governamental pela qual são coletivamente responsáveis. Com- preende-se, assim, que não estejam sujeitos à prestação individual de contas, sendo essa responsabilidade, conforme dispõe a Constituição, do órgão colegial Governo que integram. O Governo é, assim, responsável perante a Assembleia da República, competido ao Parlamento apreciar e votar as Contas do Estado, mediante Parecer do Tribunal de Contas [artigo 164.º, alínea d) da CRP], cabendo ao Parla- mento desencadear, se for caso disso, a efetivação de eventuais responsabilidades financeiras decorrentes da execu- ção do Orçamento do Estado (artigo 5.º da Lei do Tribunal e o artigo 72.º da Lei de Enquadramento Orçamental). Deste modo, pode dizer-se que o exercício da função ministerial está sujeito ao poder de exame e censura parlamentar, quer na sua vertente política quer na vertente jurídico-financeira, que se efetiva pela possibilidade que o Parlamento tem de desencadear os mecanismos de responsabilização individual dos membros do Governo. Mas os membros do Governo exercem igualmente uma função de natureza administrativa. Enquanto órgãos administrativos, encontram-se no topo de uma hierarquia de serviços administrativos que dirigem, superintendem e tutelam. Contudo (na sequência da reforma da contabilidade pública e do estatuto do pessoal dirigente), apesar de subordinados, tais serviços dispõem de poderes de decisão, próprios e/ou delegados, pelos quais são civil, criminal e financeiramente responsáveis.

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