TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
244 arbitrário nesse critério de distinção; pelo contrário, é o critério normal, neste domínio, na generalidade dos sistemas judiciários. Em segundo lugar, a recorrente pode impugnar a diversidade de tratamento entre os recorrentes que beneficiam do direito ao recurso, sem atender ao valor da causa e da sucumbência, nos termos das alíneas a) , b) e c) do n.º 2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil, e os recorrentes que, nos termos da interpreta- ção da alínea d) acolhida na decisão recorrida, estão sujeitos à relevância desses fatores, nos termos previstos no n.º 1. Nesse caso, exclui-se imediatamente a arbitrariedade da diferença de tratamento entre destinatá- rios das alíneas a) e b) e os destinatários da alínea d) , atendendo à ostensiva divergência da razão de ser das soluções legais. E no que respeita à comparação com os destinatários da alínea c) – de decisões proferidas, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça −, não se consegue discernir qualquer arbitrariedade na dife- rença de tratamento: os interesses que justificam a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça – evitar a propagação do erro judiciário e salvaguardar a segurança jurídica – manifestam-se com maior intensidade quando as decisões das Relações contrariam jurisprudência uniformizada, ou seja, quando está em causa, não a superação de jurisprudência contraditória ao nível da Relação, mas a garantia de eficácia de intervenção uniformizadora pretérita do Supremo Tribunal de Justiça. Não é de admirar, por isso mesmo, que o acesso ao vértice da ordem jurisdicional nos casos em que a decisão recorrida contraria jurisprudência uniformizada seja mais aberto do que nos casos em que se verifica contradição jurisprudencial ao nível da Relação. Finalmente, é possível que a recorrente questione a diversidade de tratamento entre os sujeitos que recorrem de decisões que, em princípio, não admitem recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, e os sujei- tos que recorrem de decisões abrangidas pelo regime geral da recorribilidade estabelecido no artigo 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Mas, se for esse o caso, a interpretação acolhida na decisão recorrida é precisamente aquela que assegura a igualdade de tratamento entre os sujeitos da comparação. Com efeito, a revista ordinária só é possível nos casos em que se encontrem preenchidos os requisitos do n.º 1 do artigo 629.º, ou seja, em que o valor da causa exceda a alçada da Relação e o valor da sucumbência exceda metade daquela. E nos casos, como o dos presentes autos, em que se verifica «dupla conforme», a revista só é admi- tida a título excecional (artigos 671.º, n.º 3 e 672.º, n.º 1), designadamente quando se verifique contradição de julgados, mas sempre tendo por condição os critérios relativos ao valor da causa e da sucumbência que constam do n.º 1 do artigo 629.º. A esta luz, não é de estranhar que esses critérios condicionem o acesso ao vértice da ordem jurisdicional no domínio das decisões contempladas pela alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º O entendimento contrário, defendido pela recorrente, levaria a que, nos casos em que se verifica dupla conforme, o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça fosse mais aberto no que respeita a decisões geralmente irrecorríveis do que decisões de que se pode, em princípio, interpor recurso de revista – uma solução paten- temente incoerente. Ora, foram exatamente estas razões, de natureza sistemática e teleológica, que pesaram decisivamente na interpretação da lei feita pelo tribunal a quo. Conclui-se que a norma sindicada não viola o princípio constitucional da igualdade. Juízo que não deverá surpreender a recorrente, uma vez que admite, a propósito da posição adotada pelo Supremo Tribunal de Justiça, «nada [haver] de aberrante em tal posição». Em boa verdade, o que a recorrente pretende contro- verter neste recurso é a interpretação da lei e não a constitucionalidade do resultado normativo dessa inter- pretação. Sucede que, pelas razões anteriormente apresentadas, tal matéria excede os poderes de cognição da jurisdição constitucional e extravasa a função do recurso de constitucionalidade. 9. Por decair no presente recurso, é a recorrente responsável pelo pagamento de custas, nos termos do artigo 84.º, n.º 2, da LTC. Ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro, a prática do Tribunal em casos semelhantes e a moldura abstrata aplicável prevista no artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, afigura-se adequado e proporcional fixar a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
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