TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
243 acórdão n.º 253/18 sentença de 1.ª instância proferida em recurso de uma decisão de natureza administrativa, o que a recorrente pretende é um terceiro grau de jurisdição. Ora, entendendo-se que a Constituição não impõe sequer um segundo grau de jurisdição em processo civil e que a regulação dos graus de jurisdição através do estabele- cimento de alçadas nada tem de arbitrária, é forçoso concluir que não se verifica aqui qualquer violação do direito de acesso à justiça. De resto, o recurso previsto na alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil não se destina a salvaguardar qualquer direito subjetivo do recorrente, o que é evidente se considerarmos que, nos casos em que se não verifica contradição de julgados, a decisão da Relação é irrecorrível. O interesse pro- movido por esta disposição é de natureza objetiva, qual seja o de evitar a propagação do erro judiciário e eliminar a insegurança jurídica gerada por jurisprudência contraditória; o interesse do recorrente na reapre- ciação da questão de direito é, bem vistas as coisas, apenas o pretexto para desencadear um mecanismo de superação de contradições jurisprudenciais cuja função é a de tutelar aqueles interesses objetivos. De onde decorre que, não estando em causa o direito de acesso aos tribunais de quem recorre, o legislador goza de uma ampla liberdade de conformação política na fixação dos critérios de acesso ao vértice da ordem jurisdicional em que o processo se insere. Tendo o Supremo Tribunal de Justiça interpretado a lei no sentido de que tal acesso é condicionado pelo valor da causa e da sucumbência, valem, neste âmbito, as seguintes palavras do Acórdão n.º 701/05: «nenhuma norma ou princípio constitucional impõe a obrigatoriedade de recurso para o Supremo, para uniformização de jurisprudência, de todos os acórdãos proferidos pelas Relações; concre- tamente, nenhuma norma ou princípio constitucional impõe a obrigatoriedade de recurso para o Supremo, para uniformização de jurisprudência, de acórdão da Relação do qual não seja possível recorrer por motivo respeitante à alçada da Relação.» 8. A recorrente alega ainda que a norma que integra o objeto do presente recurso ofende o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º, n.º 1, da Constituição. Sobre o alcance básico do princípio da igualdade enquanto norma de controlo judicial do poder legis- lativo, é representativa da jurisprudência constitucional a posição expressa no seguinte trecho Acórdão n.º 409/99, recentemente reiterada e desenvolvida no Acórdão n.º 157/18: «O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, impõe que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente dife- rente. Na verdade, o princípio da igualdade, entendido como limite objetivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a adoção de medidas que estabeleçam distinções. Todavia, proíbe a criação de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, isto é, desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fun- damentação razoável, objetiva e racional. O princípio da igualdade enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se numa ideia geral de proibição do arbítrio.» Não são claros os termos da comparação que a recorrente procura estabelecer. Perfilam-se, a esse respeito, três hipóteses. Em primeiro lugar, a recorrente pode querer dizer que a diversidade de tratamento de recorrentes con- soante o valor da causa e da sucumbência é arbitrária. Sendo esse o caso, reiteram-se aqui as palavras do Acórdão n.º 239/97, reproduzidas no Acórdão n.º 431/02: «as alçadas, bem como todos os mecanismos de “filtragem” de recursos, originam desigualdades (partes há que podem recorrer e outras não), [mas] estas não se configuram como discriminatórias, já que todas as ações contidas no espaço de determinada alçada são, em matéria de recurso, tratadas da mesma forma.» O regime das alçadas tem a sua razão de ser na presunção de que nas causas de valor mais elevado e nas decisões que implicam prejuízos maiores para o recorrente o interesse na intervenção de uma instância mais elevada, que se presume menos propensa ao erro judiciário e melhor posicionada para acautelar a segurança jurídica, é proporcionalmente mais intenso. Nada há de
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