TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
242 português de controlo da constitucionalidade normativa assenta na ideia de que a jurisdição constitucional deve ser o juiz das normas e não o juiz dos juízes. O papel do Tribunal Constitucional na arquitetura da nossa democracia constitucional é o de controlar a atuação do legislador e dos seus sucedâneos; os erros judiciais são corrigidos através do regime de recursos próprio da ordem jurisdicional a que as decisões pertencem.» Daí que não possa ser conhecida a questão da constitucionalidade da norma enunciada pela recorrente por confronto com os parâmetros da confiança (a confiança dos destinatários da lei numa interpretação alternativa) e da legalidade (o dever de os tribunais respeitarem a lei democrática), que entende decorrerem do princípio do Estado de direito consagrado no artigo 2.º da Constituição. Com efeito, saber se a interpre- tação acolhida na decisão recorrida lesa a confiança dos destinatários numa interpretação alternativa da lei e ofende o dever constitucional de os tribunais respeitarem a legalidade democrática implica, necessariamente, o controlo de dois atos que, por estarem reservados ao poder jurisdicional, se encontram subtraídos aos poderes cognitivos do Tribunal Constitucional: (i) a interpretação da lei ordinária, em termos de se poder determinar se o resultado alcançado pelo tribunal recorrido tem aquele mínimo de correspondência verbal com o preceito postulado pelo direito secundem legem ; e (ii) a descoberta do direito ordinário, em termos de se poder determinar, na eventualidade de a norma aplicada na decisão recorrida ser praeter ou contra legem – e, nessa medida, uma aplicação ou desenvolvimento de direito para além da lei − se a decisão recorrida ofende os parâmetros constitucionais que regulam o exercício da função jurisdicional, nomeadamente a proteção da confiança e o respeito pela legalidade democrática. É certo que o Tribunal Constitucional vem admitindo, em jurisprudência mais ou menos reiterada desde que foi proferido o Acórdão n.º 183/08, o controlo da conformidade de «interpretações normativas» com o princípio da legalidade criminal – o que implica, como se viu, a sindicância da interpretação da lei e da descoberta do direito aplicável. Mas tem-no feito apenas nesse domínio, por entender que se trata de um domínio em que, estando as decisões judiciais, por imperativo constitucional, estritamente vinculadas à lei – ou seja, em que há uma impossibilidade constitucional de «direito extralegal» −, justifica-se uma exceção ao princípio da incognoscibilidade das questões de direito ordinário colocadas nos autos. Não é esse o domínio em que a decisão ora recorrida se situa, pelo que nenhuma dúvida subsiste quanto à necessidade de redução do objeto do recurso, nos termos anteriormente expostos. 7. A recorrente questiona a conformidade da norma aplicada na decisão recorrida com o direito de acesso à justiça (artigo 20.º, n.º 1, da Constituição). O Tribunal Constitucional tem concluído, em jurisprudência antiga e consolidada, pela inexistência, em processo civil, de um direito fundamental a um duplo grau de jurisdição. Como se afirmou no Acór- dão n.º 638/98, «o direito à tutela jurisdicional não é (…) imperativamente referenciado a sucessivos graus de jurisdição. Ali se assegura apenas em termos absolutos, e num campo de estrita horizontalidade, o acesso aos tribunais para obter a decisão definitiva de um litígio (Acórdão n.º 65/88) ou o direito a ver solucionados os conflitos, segundo a lei aplicável, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência, e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena igualdade no que diz respeito à defesa dos res- petivos pontos de vista (…) (Acórdão n.º 638/98).» E tem entendido ainda que a «existência de limitações de recorribilidade, designadamente através do estabelecimento de alçadas (de limites de valor até ao qual um determinado tribunal decide sem recurso), funciona como mecanismo de racionalização do sistema judiciá- rio, permitindo que o acesso à justiça não seja, na prática, posto em causa pelo colapso do sistema, decorrente da chegada de todas (ou da esmagadora maioria) das ações aos diversos “patamares” de recurso.» (Acórdãos n. os 239/97, 100/99 e 431/02). Segundo a interpretação da lei acolhida na decisão recorrida, o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça para superação de contradições jurisprudenciais, em domínios em que a regra é a da irrecorribilidade da decisão do Tribunal da Relação, está condicionado pelos critérios gerais de valor da causa e da sucumbência consagrados no n.º 1 do artigo 629.º do Código de Processo Civil. No caso dos presentes autos, em que é interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão do Tribunal da Relação que reaprecia
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