TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
240 acolhido, deve o intérprete preteri-lo, até porque este normativo destaca outra presunção, a de que “o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas”. O. O sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivoca- mente demonstrada através do texto legal, do relatório do diploma ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei. Salvo se o princípio for de nível hierárquico superior (por exemplo, se for um princípio constitucional) o intérprete não está autorizado a rever as vaio rações do legislador e, em consequência, a pôr em causa a regra que lhe parece de menor âmbito valorativo, ou até a afastar a aplicação dessa regra. P. Com dificuldade se pode encarar a persistência no ordenamento jurídico de Acórdãos das Relações contradi- tórios entre si no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, os quais, não sendo suscetíveis de recurso de revista, por motivo estranho à alçada da Relação, nunca veriam essa contradição resolvida se o valor e/ou sucumbência não o permitissem, já que estava absolutamente vedada a intervenção do STJ nessas matérias. Q. A necessidade de segurança e certeza jurídica na aplicação do Direito, que pode advir da intervenção de um tribunal superior resolver a contradição existente entre decisões proferidos por tribunais do mesmo valor hie- rárquico no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, tanto se verifica em processos de valor superior à alçada da Relação, como de valor inferior, quando foi indesmentivelmente essa a opção do legislador; R. É violador do princípio da igualdade e do acesso ao Direito, previsto nos arts. 13.º e 20.º da Constituição, a interpretação efetuada pelo STJ para não admitir o recurso, com o fundamento de que a necessidade de supe- ração de contradições jurisprudenciais se basta em obviar que tal apenas “ocorra nos litígios de maior relevo, determinado em/unção do valor da causa”; S. A interpretação corretiva ou parcialmente ab-rogante efetuada pelo STJ para não admitir o recurso é consti- tucionalmente ilegítima e ofende as legítimas expetativas dos destinatários da norma, violando o princípio do Estado de Direito e da determinação das leis; T. Os cidadãos e os profissionais do foro têm a legítima expectativa de que a norma criada pelo legislador não seja subvertida por orientações jurisprudenciais contra legem , motivados por um desejo de fazer diminuir artificio- samente a pendência de recursos no STJ; U. O recurso de revista que a ora recorrente pretendia interpor encontra-se expressamente previsto na lei, sem que a sua admissibilidade esteja dependente da verificação dos pressupostos constantes do n.º 1 do artigo 629.º do CPC (valor e sucumbência), pelo que a interpretação sufragada na Decisão recorrida constitui uma limitação discriminatória e injustificada desse direito ao recurso face a situações materialmente idênticas, no que respeita ao interesse de uniformização de jurisprudência tutelado pelo artigo 629.º, n.º 2 do CPC; V. Não só esta diferenciação não resulta do texto da Lei (antes resulta o contrário), como não se vislumbra qual- quer justificação para que se afaste a possibilidade de recair acórdão de uniformização de jurisprudência do STJ, por via do artigo 629.º, n.º 2, alínea d) , do CPC, consoante o valor da indemnização fixada no âmbito do processo de expropriação seja superior ou inferior à alçada da Relação, na medida em que o valor da ação (e muito menos a sucumbência) em nada resolve a contradição de decisões das Relações, não afastando o interesse na uniformização de jurisprudência que justificou a reintrodução deste tipo de recurso; W. Não está em causa, repete-se, uma controvérsia no plano da interpretação do direito ordinário, mas antes uma violação da Constituição por uma interpretação ab-rogante do interprete, que se permite corrigir a opção do legislador ordinário; X. A interpretação corretiva ou ab-rogante do n.º 2 do art.º 629.º do Código de Processo Civil vigente que foi efe- tuada pelo STJ é, assim, contrária aos princípios de boa interpretação da lei, mas sobretudo afigura-se violadora dos princípios da confiança, inscrito no princípio do Estado de Direito, da igualdade e de acesso ao / direito e aos tribunais (arts. 2.º, 13.º e 20.º da Constituição) e como tal deve ser julgada inconstitucional.
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