TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
23 acórdão n.º 420/18 20. Apesar de o artigo 67.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, não indicar a específica matéria da reserva relativa da Assembleia da República, prevista na Constituição, ao abrigo da qual foi emitida a autorização legisla- tiva, é inequívoco que a matéria em causa tem implicações no estatuto das autarquias locais e seu regime financeiro, previsto no artigo 165.º, n.º 1, al. q) da CRP, apesar de não poder excluir-se em absoluto que possam estar em causa outras matérias da competência da Assembleia da República. 21. Notem-se, aliás, os termos em que a própria autorização legislativa é construída: a tarifa social para finan- ciamento de serviços de águas é suportada pelos municípios, e os procedimentos administrativos a este respeito implicam, no essencial, competências de órgãos do município. Bem se percebem, assim, as implicações em sede de estatuto das autarquias locais. 22. Tratando-se de matéria relativamente reservada à Assembleia da República, o Governo apenas poderia legislar sobre a mesma mediante autorização legislativa, não sendo distinta, aliás, a conclusão a respeito de qualquer eventual legislação regional. 23. Com efeito, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira exerce a competência legislativa nos termos resultantes dos artigos 227.º e 228.º da Constituição, e do artigo 37.º, n.º 1 do respetivo Estatuto PolíticoAdministrativo. 24. Nos termos do n.º 1 do artigo 227.º da CRP, compete à Região Autónoma da Madeira: a) Legislar, no âmbito regional, em matérias anunciadas no respectivo estatuto político-administrativo e que não estejam reservadas aos órgãos de soberania; b) Legislar em matérias de reserva relativa da Assembleia da República, mediante autorização desta, com excepção das previstas nas alíneas a) a c) , na primeira parte da alínea d) , nas alíneas f ) e i) , na segunda parte da alínea m) e nas alíneas o) , p) , q) , s) , t) , v) x) e aa) do n.º 1 do artigo 165.º; c) Desenvolver, para o âmbito regional, os princípios ou as bases gerais dos regimes jurídicos contidos em lei que a eles se circunscrevam. d) (…) 25. Neste quadro, só as leis da Assembleia da República podem ter por objecto qualquer matéria, não tendo, em princípio, limites quanto ao respectivo âmbito material, desde que respeitadas a reserva constitucional exclu- siva do Governo e salvaguardada a autonomia legislativa das Regiões Autónomas, a qual incide sobre as matérias enunciadas no respectivo estatuto político-administrativo que não estejam reservadas aos órgãos de soberania, tal como resulta do n.º 1 do artigo 228.º da CRP, conjugado com o artigo 37.º do Estatuto Político Administrativo, n.º 1, alínea d) que, sob a epígrafe “Competência legislativa”, estabelece que compete à Assembleia Legislativa “legislar (…) em matérias de interesse específico para a Região que não estejam reservadas à competência própria dos órgãos de soberania”. 26. Constituem matérias de competência legislativa própria da Região as referidas no artigo 40.º do Estatuto PolíticoAdministrativo. 27. Ora, não se descortina uma habilitação expressa e específica para a Assembleia Legislativa legislar sobre tarifas sociais da água. 28. Como, no caso concreto, estamos perante uma impossibilidade de ser conferida autorização legislativa pela Assembleia da República às Regiões Autónomas, como resulta do disposto no artigo 227.º, n.º 1, alínea b) da Constituição da República Portuguesa, ao excluir a alínea q) do artigo 165.º, n.º 1 da CRP como passível de autorização legislativa. 29. Por outras palavras, as Regiões Autónomas não podem legislar – rectius , não podem sequer ser autorizadas a legislar – sobre matérias que tenham implicação no estatuto das autarquias locais e seu regime de finanças, i. e. , matérias abrangidas pela alínea q) do artigo 165.º, n.º 1 ex vi o artigo 227.º, n.º 1, alínea b) da Constituição da República Portuguesa. 30. No caso vertente, portanto, não só o legislador regional não dispunha da necessária autorização legislativa (como dispôs o Governo da República), como não poderia obtê-la à luz do artigo 227.º, n.º 1, alínea b) da Cons- tituição da República Portuguesa.
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