TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
229 acórdão n.º 244/18 o Tribunal Constitucional está impedido de dirimir conflitos interpretativos relativos ao direito infracons- titucional. Neste âmbito, não cabe ao Tribunal Constitucional emitir juízos sobre a correção do processo interpretativo dos preceitos legais ou regulamentares aplicáveis a que o tribunal a quo recorreu, mas apenas da constitucionalidade da norma resultante desse processo. 9. Neste contexto, na sua segunda linha de argumentação, a recorrente invoca que a norma em causa viola o «direito de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP)». A norma objeto do presente processo determina a inclusão dentro do possível âmbito da jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, ao abrigo do RJAT, dos litígios em que a impugnação da autoliquidação é precedida de um pedido de revisão oficiosa, ao abrigo do artigo 2.º, alínea a) , da Portaria n.º 112-A/2011. Efetivamente, o RJAT estabelece no seu artigo 4.º, n.º 1, que a administração tributária fica vinculada à jurisdição dos referidos tribunais arbitrais (com a competência prevista no artigo 2.º), nos ter- mos de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos. Ao abrigo dessa habilitação foi emitida a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, que vinculou à jurisdição do CAAD vários serviços e organismos do Ministério das Finanças e da Administração Pública. As entidades administrativas delimitadas nessa Portaria não podem recusar a constituição de tribunais arbitrais, nas matérias aí previstas, se o administrado o solicitar. É, portanto, uma situação algo distinta da que ocorre na arbitragem voluntária, uma vez que as entidades administrativas estão a priori vinculadas à opção que o administrado tomar neste domínio. A lógica subjacente a um pacto arbitral em que ambas as partes do litígio acordam a sua sujeição a um tribunal arbitral, que justifica certas dimensões do regime da arbitragem voluntária, não pode ser inteiramente tida como aplicável na presente situação. Desta forma, parte do enquadramento constitucional aplicável aos tribunais arbitrais necessários deverá ser considerado aplicável neste caso, em especial no que diz respeito às garantias de independência e imparcialidade dos tri- bunais e de processo arbitral equitativo. Tal não significa, no entanto, que possa qualificar-se esta situação como uma derrogação face à garantia de acesso à tutela jurisdicional efetiva, neste caso, para tutela dos interesses públicos por parte da adminis- tração. Não pode ser esquecido que o artigo 209.º, n.º 2, da Constituição prevê expressamente a existência de tribunais arbitrais na ordem jurídica portuguesa. Os tribunais arbitrais exercem a função jurisdicional na ordem jurídica da República Portuguesa lado a lado com os tribunais estaduais. Da «admissibilidade consti- tucional dos tribunais arbitrais», o Tribunal Constitucional tem retirado que «a Constituição não reserva em absoluto a função jurisdicional aos tribunais estaduais, podendo caber aqui uma margem de conformação do legislador no recurso à arbitragem como forma de resolução de conflitos» (cfr. o Acórdão n.º 123/15, n.º 11.3.1.). É certo que «a criação de tribunais arbitrais não pode deixar de se encontrar preordenada a outros prin- cípios constitucionais e, de entre estes, à garantia de acesso aos tribunais e à garantia de reserva de jurisdição» (Acórdão n.º 230/13, ponto 11). Existem, assim, limites constitucionais à criação de tribunais arbitrais, em especial face a tribunais arbitrais necessários, pelo que é possível a fiscalização da sua constitucionalidade. De acordo com o preâmbulo do RJAT, a introdução deste regime foi motivada pela prossecução pelo legislador de «três objetivos principais: por um lado, reforçar a tutela eficaz dos direitos e interesses legalmente protegi- dos dos sujeitos passivos, por outro lado, imprimir uma maior celeridade na resolução de litígios que opõem a administração tributária ao sujeito passivo e, finalmente, reduzir a pendência de processos nos tribunais administrativos e fiscais». Tendo em conta a legítima prossecução destes objetivos e o reconhecimento cons- titucional dos tribunais arbitrais como categoria de tribunal da República Portuguesa, parece não existir uma afetação prima facie pela norma objeto de juízo da garantia de acesso aos tribunais. Neste âmbito, a recorrente entende que «a vinculação da AT à tutela arbitral necessária, na qual vigora o princípio da irrevogabilidade das decisões, pressupõe uma limitação das situações em que esta pode plena- mente decidir se deve ou não interpor recurso de uma decisão judicial desfavorável» (cfr. n.º 42 das alegações
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