TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

226 Y) E a interpretação pretendida pela AT contraria os objetivos da arbitragem tributária: “por um lado, reforçar a tutela eficaz dos direitos e interesses legalmente protegidos dos sujeitos passivos, por outro lado imprimir uma maior celeridade na resolução de litígios que opõem a administração tributária ao sujeito passivo e, final- mente reduzir a pendência de processos nos tribunais administrativos e fiscais”, são tudo objetivos e funções queridas pelo legislador para a arbitragem tributária (cfr. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro). Z) É incompatível com os objetivos supra referidos o entendimento de que em reação a um indeferimento de pedido de revisão oficiosa se possa recorrer aos tribunais administrativos e fiscais para que apreciem o ato de (auto)liquidação controvertido mas já não à arbitragem tributária. Especialmente (coerência do sistema) num contexto em que perante um ato administrativo de indeferimento de uma reclamação graciosa que discuta essa mesmíssima (auto)liquidação as duas vias estão reconhecidamente abertas. AA) Acresce que em sede de Lei de autorização legislativa em matéria de arbitragem tributária se prescreve que o processo arbitral tributário “deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial” (cfr. o artigo 124.º, n.º 2, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril), desiderato que ficará parcialmente amputado se se der à alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, o sentido que a AT pretende (que para ela olha como uma ilha isolada de tudo o resto, incluindo da jurisprudência que se formou a propósito de norma idêntica no CPPT). BB) É de referir que acresce ainda que o Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que fez uso da referida auto- rização legislativa, não distinguiu [cfr. o seu artigo 2.º e 10.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b) ], em consonância com o espírito e a letra da lei de autorização legislativa, entre reação a atos administrativos de indeferimento em sede de procedimento de reclamação graciosa e em sede de procedimento de revisão oficiosa: ambos podem desencadear o recurso à arbitragem, o que está alinhado com a prescrição de que a arbitragem seja um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial. CC) E do ponto de vista da material idade subjacente faz todo o sentido que assim seja: o que realmente se discute é a legalidade de um ato de (auto)liquidação que não deixa de ser o que é independentemente do procedi- mento administrativo (de apreciação do mesmo) prévio a que tenha sido sujeito. DD) Em sentido contrário ao deste entendimento da AT se pronunciaram já, para além da decisão arbitral ora impugnada, incontáveis decisões arbitrais e respetivos Senhores Árbitros, que nestas alegações se deixaram referenciadas, não se percebendo de que modo este entendimento consubstanciaria a violação dos preceitos constitucionais suscitada pela AT nas suas alegações (no mesmo sentido ver o acórdão, do TCAS, recorrido. EE) Os Senhores Juízes do Tribunal Constitucional, chamados que foram ao dissídio, o dirão agora. Pergunta-se: a interpretação dos tribunais arbitrais aqui em causa, que aliás não é original, limita-se a seguir interpretação adquirida de décadas do irmão mais velho que são os tribunais tributários, ignorou os cânones da interpretação? FF) Estamos perante um abuso interpretativo, e mais ainda. um abuso intolerável a pontos de justificar que o Tribunal Constitucional adote o procedimento excecional de rejeitar a interpretação da norma infraconstitu- cional feita pelos tribunais competentes, substituindo-a pela sua própria (no caso, a proposta pela AT), para, construindo depois em cima desta primeira rutura/demolição, concluir eventualmente ter havido violação do princípio da separação de poderes, ou da legalidade, etc? GG) Pelas razões relatadas supra, julga-se que a resposta deve ser um rotundo não a qualquer destas perguntas. HH) Conforme acima desmontado e aqui não se repetirá, é falha de sentido a acusação de violação do princípio da legalidade, do Estado de direito, da separação de poderes, do direito de acesso à justiça e da indisponibilidade dos créditos tributários (misturada com referências ao âmbito limitado dos recursos na arbitragem tributária), caso não seja acatada a proposta interpretativa de que na sequência da apreciação pela AT de autoliquidação de imposto em procedimento de revisão oficiosa, não é depois possível recorrer à arbitragem. II) Custa particularmente a engolir a acusação de violação do direito de acesso à justiça, sabendo a AT perfeita- mente que o estado calamitoso da justiça nos tribunais tributários, com delonga de décadas na resolução final de qualquer caso (que a arbitragem tributária procura precisamente atenuar, conforme Lei de autorização

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