TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

213 acórdão n.º 233/18 Em face do exposto, é indiscutível que, na nossa ordem jurídica, o regime da formação dos contratos públi- cos está umbilicalmente ligado à preservação e promoção da concorrência e é um instrumento privilegiado para fomentar o funcionamento adequado do mercado. Ora, prevendo o EPARAA que a Assembleia Legislativa Regional tem competência para emanar legislação que incida sobre ‘o funcionamento dos mercados regionais e da atividade económica’ e sobre ‘a promoção da concor- rência’ [cfr. artigo 54.º, n.º 2, alíneas a) e c) ], é indiscutível que terá de ser reconhecido àquele órgão legislativo a competência para aprovar um regime de contratação pública destinado a ser aplicado na RAA. Admitir que esta Região estava impedida de aprovar legislação respeitante à regulação dos procedimentos ten- dentes à formação de contratos públicos, adaptando-a às especificidades regionais, seria privá-la de um instrumento fundamental para promover a concorrência e regular o funcionamento do mercado regional, privação essa que seria ilegítima uma vez que o legislador estatutário conferiu aos órgãos regionais o poder para aprovarem todos os atos legislativos que se revelem necessários ou convenientes para a prossecução desses fins. […]”. É indesmentível que todo o regime da contratação pública é atravessado por fortes preocupações em matéria de concorrência e integra inúmeras normas jurídicas que se destinam a afirmar ou proteger valores ligados à concorrência. No entanto – e antes de mais –, a concorrência é apenas um dos diversos valores que se cruzam no regime da contratação. Miguel Assis Raimundo ( A formação dos contratos públicos – uma concorrência ajustada ao interesse público, Lisboa, 2013, pp. 349 e seguintes), enuncia, como “[…] valores e interesses que têm sido identifi- cados como relevantes no âmbito da contratação pública”, designadamente, e em síntese: a legitimação da própria administração; a prevenção da corrupção e do favoritismo; o controlo e a responsabilização internos no aparelho administrativo; a concorrência; a eficiência e a economia na afetação dos recursos, a que se liga a uniformidade de procedimentos; a prossecução de políticas públicas (discutível e com inúmeras ressalvas, que o autor assinala); a qualidade do objeto contratado. E, mais adiante, salienta a dualidade de objetivos do sistema de contratação pública (pp. 477 e seguintes): “[…] [Após expor diversas justificações que são dadas para o sistema de contratação pública:] Todas estas justifi- cações, na diversidade das suas formulações, partilham aquilo que nos parece imprescindível e que nós próprios perfilhamos: uma referência dupla a considerações, por um lado, de proteção dos interesses e dos princípios básicos da atuação pública, e, por outro lado, de salvaguarda dos interesses e princípios básicos de todos quantos entram em relação com as entidades adjudicantes por via de contrato. Os efeitos desta justificação de acordo com interesses simultaneamente de natureza coletiva (de proteção do interesse público) e de natureza ‘individual’ (de proteção dos interesses económicos) são, para nós, absolutamente claros: deve existir um fundamental equilíbrio entre ambos. As soluções do direito da contratação pública não podem ser pensadas como se o objetivo fosse o de prosseguir a todo o transe a raison d’État , nem como se as opor- tunidades proporcionadas pelos contratos públicos fossem simples propriedade do mercado, a ser distribuída pelos agentes económicos que neste atuam, de acordo com critérios de pura racionalidade económica e independente- mente dos objetivos que as entidades adjudicantes procuram prosseguir. […] Com efeito, a proteção do mercado e a proteção do interesse público são, e quando o não sejam têm de ser, realidades que não só se compatibilizem, como se favoreçam mutuamente […]. Em síntese, e como anunciava já Michel Guibal em 1993, a tarefa fundamental do direito administrativo pré- -contratual é ‘a amálgama direito dos contratos – direito da concorrência, é a difusão em todo o direito dos contra- tos públicos da obrigação de mise en concurrence’. No entanto, ao contrário do que poderia pensar-se, a amálgama aqui não é neutra, nem anómica: é uma amálgama valorativamente adequada; pressupõe que se encontre o justo

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