TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

212 dirigem e é no aproveitamento das respetivas potencialidades que se baseia o seu lançamento” [cfr. Rodrigo Esteves de Oliveira, “Os Princípios Gerais da Contratação Pública”, in Estudos Contratação Pública, vol. I, Coimbra, 2008, p. 67.]. No nosso ordenamento jurídico, a instrumentalidade da legislação da contratação pública – e dos procedimen- tos adjudicatórios nela contemplados – à promoção da concorrência está de tal modo vincada que o Código dos Contratos Públicos – e também o DLR 27/2015/A – consagra uma regra segundo a qual o regime procedimental nele previsto não é aplicável à formação de contratos a celebrar por entidades adjudicantes ‘cujo objeto abranja prestações que não estão nem sejam suscetíveis de estar submetidas à concorrência de mercado, designadamente em razão da sua natureza ou das suas características, bem como da posição relativa das partes no contrato ou do contexto da sua própria formação’ (cfr. artigo 5.º, n.º 1, do CCP e artigo 6.º, n.º 1, do DLR 27/2015/A). De facto, se um contrato integra prestações que não podem ser submetidas à concorrência de mercado torna-se des- necessária a adoção de um procedimento pré-contratual, justamente porque ‘a razão de ser primária da existência dos procedimentos de contratação pública – assentes todos eles (com exceção de algumas modalidades de ajuste direto) na permissão de acesso ilimitado ou, pelo menos, de acesso de vários opositores – é exatamente essa, a de fazer funcionar a concorrência’ [cfr. Carlos Cadilha/António Cadilha, O contencioso pré-contratual e o regime de invalidade dos contratos públicos, Lisboa, 2013, p. 45.]. Os procedimentos de contratação pública, por estarem vocacionados para a promoção da concorrência, asse- guram, desde logo, um interesse objetivo tutelado pelo ordenamento jurídico: o tendencial incremento do grau de satisfação do interesse público. Com efeito, a criação de competição entre os diversos interessados em contratar permite que a Administração obtenha os meios para selecionar a proposta que melhor satisfaça as necessidades de interesse geral visadas com a decisão de contratar. Ao suscitar a concorrência, a Administração aumenta as possi- bilidades de encontrar um bom contratante e as condições contratuais mais adequadas: quanto maior e melhor número de pessoas e empresas se interessarem pela celebração de um contrato público e, para tanto, concorrerem umas com as outras, oferecendo as contrapartidas necessárias para superarem as que presumivelmente os seus opositores são capazes de oferecer, maior será a probabilidade de a Administração obter a melhor oferta contratual possível. Mas a adoção de procedimentos concorrenciais na contratação pública não protege apenas o interesse público visado pela celebração do contrato, assegurando também a tutela das posições subjetivas dos particulares que se interessam por contratar com a Administração, uma vez que garante o mais amplo acesso a esses procedimentos. Ora, nesta perspetiva, a promoção da concorrência promovida pelo direito da contratação pública está intima- mente ligada com o fim de assegurar o normal funcionamento do mercado [cfr. Marcelo Rebelo de Sousa/André Salgado Matos, Contratos Públicos ( Direito Administrativo Geral, tomo III, Lisboa, 2008, p. 75]. O mercado é o processo pelo qual os agentes económicos, na sequência de escolhas livres, trocam bens e ser- viços de que dispõem por outros de que não dispõem, procurando melhorar a sua posição de partida [cfr. Miguel Assis Raimundo, A formação dos contratos públicos, cit., p. 371.]. Ao Estado e aos entes públicos infraestaduais cabe a tarefa – que assume até dignidade constitucional [cfr. artigo 81.º, alínea f ) , da Constituição] – de promover o funcionamento eficiente do mercado. Ora, para esse efeito, a regulação da contratação pública é, inquestionavel- mente, um instrumento muitíssimo relevante: na verdade, uma estrutura de mercado em que as entidades que exercem uma atividade económica, independentemente da sua natureza, situação geográfica ou financeira, compe- tem entre si em condições de igualdade utilizando os seus recursos técnicos, humanos e materiais (e apenas estes), é uma estrutura que “selecionando as empresas mais capazes, logra orientar a produção para os setores suscetíveis de garantir uma melhor satisfação das necessidades dos consumidores e, ao mesmo tempo, a mais eficiente afetação dos recursos económicos disponíveis” [cfr. Cabral de Moncada, Direito Económico, Coimbra, 5.ª edição, p. 486]. As regras de contratação pública – e a sua implementação – não se limitam a procurar defender o mercado como ordem normal das trocas económicas: elas visam torná-lo mais eficiente, no pressuposto – assumido seja pelos Tratados Europeus, seja pela nossa Constituição – que do seu adequado funcionamento decorre uma ordem económica e social mais justa.

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