TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
211 acórdão n.º 233/18 2.6. Tendo presente o enquadramento genérico acabado de traçar, analisemos, pois, os argumentos da Recorrida USISM para sustentar a sua pretensão de procedência do recurso, sendo certo – não sendo, aliás, discutido nas alegações – que inexiste previsão expressa, no EPARAA, no sentido de consagrar a disciplina dos contratos públicos de aquisição de serviços como matéria de competência legislativa própria da Assem- bleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores. A USISM, procura sustentar essa competência, todavia, por referência a dois conjuntos de normas do EPARAA: (a) as que preveem competência para legislar em matérias relativas ao comércio, indústria e energia, designadamente no que respeita ao funcionamento dos mercados regionais e da atividade económica e à promoção da concorrência [artigo 54.º, n.º 2, alíneas a) e c) , do EPARAA]; e, no seguimento destas, (b) a que prevê competência para legislar em matéria relativa ao regime de empreitadas e obras públicas [artigo 56.º, n.º 2, alínea b) , do EPARAA]. 2.6.1. Importa atentar na argumentação da USISM quanto ao primeiro ponto, que se transcreve do corpo das alegações adrede apresentadas: “[…] É sabido que a União Europeia tem como um dos seus objetivos primordiais, proclamado no artigo 3.º do Tratado da União Europeia, a construção de ‘uma economia social de mercado altamente competitiva que tenha como meta o pleno emprego e o progresso social’ (n.º 3). Para a prossecução de tal objetivo, quer as instituições da União, quer os Estados-membros estão vinculados a adotar uma política económica que esteja ‘de acordo com o princípio de uma economia de mercado aberto e de livre concorrência’ (cfr. artigo 119.º, n.º 1 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia ). Nas bases fundadoras do projeto europeu está, de facto, a ideia de que a projeção no mercado das diferentes e autónomas iniciativas privadas, num clima de concorrência, constitui a forma mais adequada de racionalização económica, porquanto permitirá, pela oferta diversificada e competitiva, o progresso económico e social em bene- fício dos consumidores e dos cidadãos. Um dos domínios fundamentais em que o Direito Europeu considerou importante proteger e promover a concorrência foi o do mercado dos contratos celebrados por entidades públicas, seja pelo peso económico desses contratos – que representam anualmente praticamente 20% do PIB da União Europeia –, seja porque em certos setores – como na defesa, na segurança pública ou nas grandes obras infraestruturais – essas entidades se assumem como as únicas clientes no mercado. É neste quadro que surge a regulação normativa da contratação pública ao nível europeu, a qual “visa, por isso, em primeira linha remover os «obstáculos» que se colocam a que a concorrên- cia nos contratos públicos seja o mais próximo possível da concorrência perfeita” [cfr. Miguel Assis Raimundo, A formação dos contratos públicos , Lisboa, 2013, p. 372]. O objetivo de assegurar uma concorrência leal e efetiva no mercado dos contratos públicos está, de resto, plasmado em toda a legislação europeia da contratação pública, desde as originárias diretivas comunitárias sobre contratos públicos (cfr., os considerandos da Diretiva 71/305/CEE, do Conselho, de 26 de julho de 1971 e da Diretiva 77/62/CEE, do Conselho, de 21 de dezembro de 1976, que se referiam ao objetivo de ‘assegurar o desen- volvimento de uma concorrência efetiva no âmbito dos contratos públicos’) à atual Diretiva 2014/24/EU, que justifica a necessidade de existirem disposições normativas europeias que coordenem os procedimentos nacionais de contratação pública com a necessidade de ‘garantir que os contratos públicos sejam abertos à concorrência’ (cfr. considerando n.º 1). A incindível ligação entre a promoção da concorrência e os regimes – europeus e nacionais – de contratação pública é, de facto, uma realidade absolutamente incontestável: ainda que usando expressões distintas, todos con- vergem no sentido de que o valor da concorrência “é um elemento central e prioritário do sistema de normas [da contratação pública]” [cfr. Pedro Gonçalves, “Concorrência e Contratação Pública (a integração de preocupações concorrenciais na contratação pública)”, in Estudos em Homenagem a Miguel Galvão Teles, vol. I, 2012, p. 495.]. De facto, pode afirmar-se sem margem para dúvidas que “é no respeito pela concorrência e simultaneamente na sua promoção que assenta hoje o valor nuclear dos procedimentos adjudicatários: é a ela (a concorrência) que estes se
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