TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

209 acórdão n.º 233/18 – “[…] uma parcela significativa das normas de contratação pública, nomeadamente as que se refe- rem à publicidade, às habilitações, às especificações técnicas e aos parâmetros de avaliação a apli- car nos procedimentos, visa garantir [o acesso à contratação] universal em condições transparen- tes, concorrenciais e não discriminatórias”, pelo que poderá “[…] haver alguns fundamentos que «reclamem» uma intervenção do legislador nacional nesta matéria”; – não se vislumbram quaisquer especificidades regionais legítimas que justifiquem um regime de contratação pública de âmbito regional; – não há uma referência expressa ao regime de contratação pública, designadamente no âmbito das aquisições de bens e serviços, no elenco das matérias da competência legislativa própria da região constantes do EPARAA; – também não pode considerar-se que a matéria esteja abrangida nesse elenco de forma implícita ou através de qualquer analogia ou interpretação extensiva das normas relativas às competências relativas a empreitadas de obras públicas, ao funcionamento dos mercados regionais e da atividade económica e à promoção da concorrência; pelo que, – estando fora da competência legislativa própria da Assembleia Legislativa Regional legislar sobre o regime jurídico da contratação pública de fornecimento de serviços, o RJCPRAA é, na parte em que o faz, organicamente inconstitucional. Vejamos, pois, se tal juízo deve ser confirmado. 2.5. A propósito do artigo 227.º da CRP, escrevem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, vol. II, 4.ª edição, Coimbra, 2014, pp. 658 e seguintes: “[…] I. As regiões autónomas são pessoas coletivas territoriais, possuindo, portanto, personalidade jurídica e capa- cidade jurídica de direito público (regime de direito público e poderes públicos). São pessoas coletivas de direito público interno, com regime e poderes que relevam apenas no âmbito interno do Estado. Por outro lado, são pessoas coletivas territoriais (ou «de população e território», segundo certa conceptologia tradicional), tendo por substrato pessoal os habitantes do respetivo território (cfr. AcTC n.º 630/99). […] III. […] Por sua vez, os poderes que integram a competência própria agrupam-se em dois grandes conjuntos: por um lado, a competência política e normativa (em particular, legislativa), que reúne as alíneas a, b, c, d, e, f, i, j, m, p e q; por outro lado, a competência administrativa […]. IV. Questão duvidosa é a de saber se, além dos aqui previstos, os estatutos podem incluir outros poderes. A resposta deve ser negativa, já que a Constituição não o prevê (e, ainda que o previsse, sempre essa possibilidade teria como limites, além do disposto no artigo 227.º, n.º 3, os poderes constitucionalmente atribuídos ao Estado) […]. […] VI. O poder legislativo (n.º 1/ a ) é umas das características típicas essenciais da autonomia regional. […]. O poder legislativo regional não é genérico, nem exclusivo. Está limitado negativamente e positivamente, pois não pode versar sobre matérias reservadas à competência dos órgãos de soberania (limite negativo), e só pode regular as matérias que tenham âmbito regional e versem sobre matérias enunciadas no estatuto político-administrativo (limite positivo) , matérias estas que, de resto, a Constituição não enuncia nem define. […]” (sublinhado acrescentado). Também Jorge Miranda e Rui Medeiros ( Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra, 2007, pp. 345 e seguintes) assinalam que a competência legislativa primária das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas “[…] está, em primeiro lugar, limitada pelas matérias enunciadas no respetivo estatuto

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