TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
203 acórdão n.º 233/18 integra a competência para legislar sobre o procedimento de formação de contratos públicos – em particular, do contrato de aquisição de bens. Tal competência existe efetivamente, estando contemplada no artigo 54.º, n.º 2, alíneas a) e c) do EPARAA. 11. À conclusão acima não obsta o argumento, que é avançado na decisão em crise, segundo o qual a circuns- tância do EPARAA prever expressamente a competência da Região para legislar sobre o “regime de empreitadas e obras públicas” [cfr. artigo 56.º, n.º 2, alínea b) ] e, ao invés, não conter qualquer referência expressa à competência para legislar sobre o regime de aquisição de bens, seria demonstrativa de que esta matéria não se integra na esfera de ação legiferante regional. 12. Como tantas vezes ensina a doutrina, o recurso a uma argumentação a contrario é demasiado redutor e, fre- quentemente, como sucede neste caso, não conduz à resposta normativa devida. Na verdade, tal referência justifica- -se porque, historicamente, este contrato sempre foi objeto de uma regulamentação legal própria e particularmente detalhada, “desempenhando uma função normativamente modelar do regime geral do contrato administrativo”. 13. Em suma, é manifesto que não pode ser dado à expressa previsão da competência da RAA para legislar sobre a aprovação de um ‘regime de empreitadas e obras públicas’ um sentido excludente da competência dessa Região para disciplinar o procedimento de formação de outros contratos públicos, incluindo o contrato de aquisi- ção de bens: não só a competência para regular esta matéria tem fonte própria e incontestável num outro preceito do EPARAA – o artigo 54.º, n.º 2, alíneas a) e c) –, como aquela expressa previsão se explica exclusivamente pela relevância histórica, económico-social e jurídica do regime do contrato de empreitada de obras públicas – que assume uma função normativamente modelar do regime de outros contratos públicos –, não comportando, de modo algum, esse sentido excludente. 14. De uma outra perspetiva, não se pode ignorar o circunstancialismo histórico do processo legislativo com- plexo que aprovou a terceira revisão do Estatuto Político Administrativo da Região Autónoma dos Açores, por via da Lei n.º 2/2009, de 12 de janeiro. 15. Não fosse o processo legislativo tão longo, com a iniciativa limitada à própria Assembleia Legislativa Regional, nos termos do artigo 226.º da Constituição da República Portuguesa, que se estendeu desde da vigência plena dos Decretos-Lei n. os 55/99, de 2 de março e 197/99, de 8 de junho, até à publicação e entrada em vigor do Código dos Contratos Públicos, e a limitação terminológica da alínea c) , n.º 2 do artigo 56.º do Estatuto Politico Administrativo da RAA provavelmente não existiria, face à uniformização que o Código dos Contratos Públicos veio a concretizar. 16. Ainda de uma terceira perspetiva, também ligada como o processo legislativo, e como já registou o Minis- tério Público, o regime da contratação pública ‘tem por um lado, uma vocação horizontal/transversal a todo o tecido económico e deve considerar-se incluído na competência legislativa da Assembleia Legislativa da Região Autónoma, por interpretação sistemática.’ ‘As matérias referidas na Subsecção II da Secção II do Capítulo I do Título IV do EPARAA estão classificadas por áreas de atividade e a competência legislativa em matéria de con- tratação pública em sentido lato deve extrair-se dessas diversas normas conjugadas com as normas de habilitação previstas na Constituição.’ 17. No que respeita aos restantes limites da competência legislativa da RAA, e embora eles não sejam questio- nados pelo Tribunal no caso em apreço, importa, sucintamente, dar conta de que também eles foram totalmente cumpridos pela Assembleia Legislativa Regional. 18. Quanto ao limite positivo que impõe que a legislação emanada deste órgão se circunscreva ao ‘âmbito regional’ [cfr. artigo 122.º, n.º 4 e 227.º, n.º 1, alínea a) da Constituição], o que está em causa é a exigência de que tal legislação tenha a sua eficácia limitada ao território geográfico da região autónoma. Com efeito, o que se pre- tende com este requisito é que, incidindo a regulação sobre matérias que, em tese, possam ‘implicar com atividades ou comportamentos com efeitos extraterritoriais’, a legislação produzida apenas projete esses efeitos ‘nos confins físico-territoriais’ da região autónoma, uma vez que, sendo esta uma entidade jurídica territorial dentro do Estado (cfr. artigo 227.º, n.º 1), ela tem no seu território o limite dos seus poderes.
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