TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
199 acórdão n.º 233/18 de várias gerações de diretivas europeias que visaram ao longo do tempo uma realização cada vez mais abrangente do mercado único europeu. 78. Como refere, designadamente, Maria João Estorninho [Direito Europeu dos Contratos Públicos, Alme- dina, 2006], a lógica subjacente ao regime europeu de contratação pública prende-se, em última instância, com o objetivo de realização do mercado único e com a observância dos princípios do Tratado (tais como a liberdade de circulação ou o princípio da concorrência) que implicam a proibição de práticas discriminatórias em matéria de contratos públicos. 79. E, ainda segundo a mesma autora, mais do que assegurar a livre concorrência, o movimento de liberalização da contratação pública procurou tornar efetivas as liberdades de circulação de trabalhadores, de estabelecimento e de livre prestação de serviços. 80. Maria João Estorninho refere o contexto em que nos inserimos neste domínio: o de as relações contratuais públicas estarem cada vez mais internacionalizadas e o de uma crescente globalização jurídica, que, entre outras consequências, aponta para a desnacionalização do regime jurídico aplicável aos contratos públicos e a perda de domínio dos próprios Estados sobre o regime dos seus contratos públicos. 81. A mesma autora aponta ainda três fases na evolução do direito europeu da contratação pública, caracte- rizadas por níveis crescentes de intensidade de regulamentação: numa primeira fase dominam as preocupações procedimentais, numa segunda fase prevalecem as preocupações garantísticas e, num terceiro momento, surgem influências comunitárias no regime substantivo dos contratos públicos. Tudo na direção de uma progressiva har- monização do direito dos contratos públicos em todos os Estados Membros. Como uma das novidades das novas diretivas, a autora refere a preocupação de que a contratação pública seja um instrumento privilegiado de execução de políticas estruturais e sectoriais da própria União Europeia, nomeadamente políticas sociais e ambientais. 82. Todas estas considerações apontam para que o regime da contratação pública: – Não é, nem pode ser nos termos das diretivas a transpor, um instrumento privilegiado para a instituição e funcionamento de mercados regionais, visando, antes, a defesa de um mercado único transnacional muito mais vasto; – Está, por isso, numa trajetória crescente de harmonização internacional, de natureza vinculante para o Estado, que não se afigura ajustada a abordagens de interesse e âmbito infra estadual; – Não é um mero elemento de promoção da concorrência, já que inclui um conjunto muitíssimo mais alar- gado de finalidades e conteúdos. 83. Não havendo uma referência expressa ao regime de contratação pública, designadamente no âmbito das aquisições de bens e serviços, no elenco das matérias da competência legislativa própria da região constantes do EPARAA, e não podendo considerar-se, pelas considerações que antecedem, que a matéria esteja abrangida nesse elenco de forma implícita, confirma-se o entendimento da 1.ª instância de que não se verifica este requisito previs- tos na Constituição para reconhecimento de competência legislativa regional na matéria. 84. Como também afirmado em 1.ª instância, estando fora da competência legislativa própria da Assembleia Legis- lativa Regional legislar sobre o regime jurídico da contratação pública de fornecimento de serviços, o RJCPRAA é, na parte em que o faz, organicamente inconstitucional, devendo este Tribunal recusar a sua aplicação, nos termos dos artigos 3.º, n.º 3, 277.º, n.º 1, e 204.º da CRP. Subscreve-se, nesta parte, tudo o que a decisão recorrida afirma a este respeito. Da aplicabilidade ao caso dos artigos 157.º, n.º 1, e 465.º do CCP: publicação do anúncio do concurso em Diário da República e no portal dos contratos públicos 85. Ao recusar a aplicação das normas inconstitucionais, deve o Tribunal de Contas analisar a legalidade do concurso público de aquisição de serviços em apreço à luz da legislação anteriormente aplicável. Sobre o efeito repristinatório, subscreve-se igualmente o entendimento perfilhado em 1.ª instância, que aqui se reproduz, fun- dado na doutrina de Gomes Canotilho e Vital Moreira. 86. Tal como se refere na decisão recorrida, o Decreto Legislativo Regional n.º 34/2008/A, de 28 de julho, alterado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 15/2009/A, de 6 de agosto, revogado pelo diploma ora considerado inconstitucional,
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