TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

198 o legislador expressamente reconheceu que os parlamentos regionais podem legislar. Nesta matéria, Jorge Bacelar Gouveia, na obra já citada, refere que deve considerar-se como adotado um método de tipificação, fornecendo ideias concretizadas e um elevado grau de certeza jurídica, que permite uma correspondência clara com a legitimi- dade legislativa. 68. Ora, se assim é, se existe uma taxatividade e uma tipificação neste domínio, parecem não dever fazer-se presun- ções de natureza sistemática, principialista ou histórica. A competência deve resultar explícita e inequivocamente das normas habilitantes. 69. O Tribunal Constitucional entendeu também, no Acórdão n.º 402/08, que a lista constante dos estatutos político-administrativos deve ser suficientemente densificada para que possa operar como norma paramétrica de controlo da atividade legislativa regional. Aí se refere que o papel central e decisivo, reservado, no novo regime de repartição de competências, à enunciação de matérias pelo estatuto, torna ilegítima qualquer cláusula que, pelo seu teor irrestrito e indeterminado, com omissão de qualificações materiais delimitadoras, não atinja o grau de densificação constitucionalmente exigível. 70. Ora, deve ter-se em conta que até à entrada em vigor do CCP, em 2008, em transposição das diretivas europeias de contratação pública de 2004, o regime jurídico dos contratos de empreitada, de fornecimento de bens e de fornecimento de serviços era diverso e constava de diplomas autónomos. Havia também diretivas europeias diferentes para obras, fornecimentos de bens e fornecimento de serviços. Em 2008, o CCP definiu um regime completamente novo para os contratos públicos em geral, distinguiu o regime da contratação pública (processo de formação dos contratos) do regime substantivo dos contratos e incluiu uma parte especial para contratos de empreitada de obras públicas. 71. Não faz, pois, sentido dizer que o legislador que, em 2009, reviu o estatuto político-administrativo da Região Autónoma dos Açores, falou em empreitadas de obras públicas, porque era a realidade mais importante, esquecendo-se de mencionar (mas querendo fazê-lo) os outros tipos contratuais públicos, que apenas mimetizavam o tipo principal. Nem o mercado do fornecimento de bens e serviços era residual nem o regime era idêntico. Na realidade, era mesmo tradicio- nalmente diferenciado. Por outro lado, a importância, a nomenclatura, a densidade legislativa e o tratamento doutrinal e jurisprudencial do regime da contratação pública haviam crescido de tal forma que não podem considerar-se implícitos numa simples referência a empreitadas. Pode até dizer-se que o legislador foi erróneo ao prever um regime regional para empreitadas de obras públicas e ao não prever o mesmo para outros tipos contratuais, mas não pode considerar-se que ao referir-se a um quis referir-se a todos. 72. Ao invés, poderíamos ou até deveríamos outrossim considerar que a especificidade conceptual era já tão desenvolvida que, quando o legislador se referiu a regime de empreitadas e obras públicas no EPARAA, estava ape- nas a referir-se ao regime substantivo deste tipo contratual, tal como previsto no CCP (artigos 343.º e seguintes) e não ao regime de formação desse e doutro tipo de contratos, designado no CCP como regime de “contratação pública” (artigos 16.º e seguintes). 73. O RJCPRAA estabeleceu um regime jurídico próprio para os contratos públicos celebrados no âmbito da Região e a definição da disciplina aplicável à contratação pública e ao regime substantivo dos contratos públicos que revistam a natureza de contrato administrativo. Dificilmente se pode entender que este objeto e conteúdo corresponda ao regime jurídico das empreitadas e obras públicas. Vai muitíssimo para além disso. 74. Vejamos agora se o regime de contratação pública se deve considerar abrangido nos poderes legislativos conferidos à Região Autónoma para regular o ‘funcionamento dos mercados regionais [negrito no original] e da atividade económica’ e a ‘promoção da concorrência’. 75. Em primeiro lugar, reconhece-se que este tipo de contratação é relevante para esses fins. Mas será que legis- lar sobre uma coisa é legislar sobre a outra? 76. Se a relevância do sector da contratação pública para a atividade económica é absolutamente indiscutível, já não podemos acompanhar a ideia de que os mercados a dinamizar e a concorrência a promover através do fun- cionamento desse sector sejam de âmbito regional. 77. Como se referiu acima, o RJCPRAA pretendeu transpor a Diretiva 2014/24/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro, relativa aos contratos públicos. Esta diretiva é a mais recente de um conjunto

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