TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
197 acórdão n.º 233/18 não conferem, por si só, competência à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores para legislar sobre o regime jurídico da contratação pública. O n.º 1 do artigo 37.º e o artigo 40.º do EPARAA referem que a Assembleia Legislativa pode legislar e transpor atos jurídicos da União Europeia em matérias da sua competência legislativa própria. A decisão recorrida considerou, e bem, ser necessário que a matéria se enquadre no elenco cons- tante dos artigos 49.º e seguintes do diploma, que enumeram taxativamente as matérias de competência legislativa própria. Concordamos inteiramente. 55. Ora, o próprio RJCPRAA não indica em que matéria enunciada no EPARAA se enquadra o regime que institui. 56. A Decisão n.º 1/2017-SRATC afirma ainda que do elenco das matérias enunciadas nos artigos 49.º e seguintes do EPARAA não consta a competência para legislar sobre o regime jurídico da contratação pública rela- tiva à aquisição de serviços. E a verdade é que do referido elenco não consta que a Região possa legislar sobre «a disciplina aplicável à contratação pública e ao regime substantivo dos contratos públicos que revistam a natureza de contrato administrativo», âmbito do RJCPRAA, tal como enunciado no n.º 1 do seu artigo 1.º. 57. A recorrente vem invocar que o EPARAA prevê, entre as matérias que integram o âmbito dos poderes legislativos regionais, a competência para a Assembleia Legislativa da RAA legislar sobre o ‘funcionamento dos mercados regionais e da atividade económica’ e a ‘promoção da concorrência’, o que consta do respetivo artigo 54.º, n.º 2, alíneas a) e c) . 58. Mais invoca que essas finalidades são precisamente as que estão na génese do regime jurídico da contratação pública, tal como ele foi concebido no Direito Europeu e tal como consta das diretivas europeias sobre a formação de contratos públicos, entre as quais a Diretiva 2014/24/EU, que o decreto legislativo em causa pretende transpor. Nesse sentido, a recorrente argumenta que o projeto europeu assenta numa ideia de progresso económico e social, a realizar designadamente através da racionalização económica assente num mercado em que as diferentes e autó- nomas iniciativas privadas atuam num clima de concorrência. 59. No seu entender, o mercado dos contratos celebrados por entidades públicas é um dos mercados economi- camente mais relevantes e a regulação normativa da contratação pública ao nível europeu visa, em primeira linha, remover os obstáculos que se colocam a que a concorrência nos contratos públicos seja o mais próximo possível da concorrência perfeita. A legislação europeia de contratação pública visa assegurar uma concorrência leal e efetiva no mercado dos contratos públicos e a promoção da concorrência é um objetivo e um valor nuclear das normas e dos procedimentos adjudicatórios. A recorrente invoca que a promoção da concorrência nos mercados públicos realiza o incremento do grau de satisfação do interesse público, garante o mais amplo acesso dos particulares aos procedimentos de contratação pública e assegura o funcionamento eficiente do mercado. 60. Deste modo, considera que o regime de formação dos contratos públicos está ligado à preservação e pro- moção da concorrência e é um instrumento privilegiado para fomentar o funcionamento adequado do mercado, pelo que o poder de legislar sobre a contratação pública se deve considerar englobado no poder de legislar sobre o “funcionamento dos mercados regionais e da atividade económica” e sobre a “promoção da concorrência”. Privar a região de legislar sobre a contratação pública seria privá-la de realizar plenamente esses fins. […] 66. Carlos Blanco de Morais, na obra acima citada, e tal como também referido na decisão recorrida, ensina que a revisão constitucional de 2004 estipula claramente que, fora dos domínios respeitantes às alíneas b) e c) do artigo 227.º da CRP, um ato legislativo das regiões autónomas só pode incidir sobre uma matéria previamente definida como de âmbito regional no respetivo estatuto político-administrativo. Considera este autor que existe uma ‘taxatividade da enumeração constitucional e estatutária dos poderes legislativos das regiões’. 67. Vários constitucionalistas (como, por exemplo, Jorge Miranda, Jorge Bacelar Gouveia e Rui Medeiros, e mesmo alguns juízes do próprio Tribunal Constitucional que se manifestaram em votos de vencido) consideram que os limites relativos à reserva dos órgãos de soberania e ao âmbito regional não devem ser entendidos com a amplitude que a jurisprudência lhes tem atribuído e que o mais importante limite a considerar é o que resulta da enunciação feita nos estatutos político-administrativos das matérias em que as regiões podem legislar. Esta enun- ciação corresponderá à verdadeira delimitação das matérias não reservadas aos órgãos de soberania sobre as quais
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