TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
196 que «reclamem» a intervenção do legislador nacional, por se apresentarem com relevo imediato para a generalidade dos cidadãos ou respeitarem ou se repercutirem nas diferentes parcelas do território nacional. 45. Embora a 1.ª instância não tenha questionado este aspeto, admitimos que, face à jurisprudência do Tribu- nal Constitucional, o mesmo seja discutível. Efetivamente, o regime da contratação pública contém vários aspetos que se repercutem nas diferentes parcelas do território nacional. Se é certo que os contratos públicos a contratar pelas entidades adjudicantes regionais satisfazem necessidades regionais e se preparam e executam no território da Região, não é despiciendo considerar que os princípios europeus e constitucionais vinculantes da transparência, da igualdade e da concorrência impõem que concorrentes de um espaço nacional e internacional muito mais vasto tenham acesso a esses contratos. Uma parcela significativa das normas de contratação pública, nomeadamente as que se referem à publicidade, às habilitações, às especificações técnicas e aos parâmetros de avaliação a aplicar nos procedimentos, visa garantir esse acesso universal em condições transparentes, concorrenciais e não discriminatórias. Poderão, pois, haver alguns fundamentos que «reclamem» uma intervenção do legislador nacional nesta matéria. 46. A recorrente invoca, por outro lado, que a legislação em causa pretende ser de ‘âmbito regional’, por pro- jetar os seus efeitos apenas nos ‘confins físico-territoriais’ da região autónoma. 47. A decisão recorrida também não se pronunciou relativamente a este limite. Mas também relativamente a ele se podem suscitar dúvidas. 48. Em primeiro lugar, como acabámos de referir, os efeitos do diploma podem projetar-se para além dos limites territoriais da região autónoma, já que há que informar e dar condições de acesso concorrencial e não dis- criminatório a interessados nos contratos que podem estar noutros territórios do país e até do estrangeiro. 49. Por outro lado, o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 258/07, referiu que na determinação do ‘âmbito regional’, não basta a circunstância de a legislação regional se destinar a ser aplicada no território da Região, devendo também ser tidas em conta considerações sobre a matéria sobre que versa a normação, atenta a justificação material do regime autonómico constante do artigo 225.º da CRP. Nesta linha, a natureza regional do diploma legislativo há de revelar-se por as questões que trata terem um cunho original na região, por serem nela exclusivas ou nela terem uma especial configuração. 50. O RJCPRAA invoca, nas suas disposições preambulares, particularidades e especificidades regionais. Aí se refere que as regras especiais de contratação pública na Região Autónoma dos Açores devem considerar as particula- ridades de um mercado onde a concorrência está muito condicionada a questões de escala e de organização empre- sarial de média ou reduzida dimensão, onde o mercado da contratação pública tem uma relação profunda com o estado e a dinâmica da empregabilidade regional e onde as assimetrias determinam a existência de vários pequenos mercados onde as regras da concorrência assumem um funcionamento distinto daquele que é lógico e frequente no espaço da União Europeia ou mesmo de Portugal Continental. Por isso, o diploma terá pretendido criar regras que vão ao encontro das necessidades regionais, que se adequem à realidade da Região e que deem impulso económico às pequenas e médias empresas que compõem maioritariamente o universo do mercado regional. 51. Sucede que o regime da contratação pública está hoje sujeito a fortes vinculações resultantes de direito europeu e de princípios constitucionais. O regime jurídico regional a estabelecer tem de ser conforme com os parâmetros definidos na diretiva europeia a transpor e com os princípios constitucionais aplicáveis. Ora, esses parâmetros não consentem que os procedimentos de contratação pública sejam restringidos a agentes económicos de uma dada região ou de alguma forma os favoreçam. A diretiva europeia em causa admite o interesse de favorecer a economia e o acesso de pequenas e médias empresas aos mercados públicos, mas tal é concretizado pela divisão do objeto contratual em lotes mais pequenos e nunca pelo favorecimento de mercados regionais ou locais. 52. Neste âmbito, não se vislumbram, pois, quaisquer especificidades regionais legítimas que justifiquem um regime de contratação pública de âmbito regional. 53. Um outro limite importante da autonomia legislativa regional é a exigência de que a matéria esteja enun- ciada no estatuto político-administrativo da região autónoma. Foi relativamente a este requisito que se pronunciou a decisão recorrida, tendo concluído que ele não se mostra verificado. Vejamos. 54. A 1.ª instância referiu, desde logo, que as normas habilitantes do «n.º 1 do artigo 37.º e do artigo 40.º do Estatuto Político Administrativo da Região Autónoma dos Açores», invocadas no preâmbulo do RJCPRAA,
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