TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

192 Com efeito, como resulta da definição do seu objeto e âmbito, com o Decreto Legislativo Regional n.º 27/2015/A, de 29 de dezembro, pretendeu-se, além do mais, a transposição parcial da Diretiva 2014/24/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro e a definição ou o estabelecimento do regime jurídico aplicável à contratação pública (cfr. n. os 1 e 2 do artigo 1.º do RJCPRAA). Ora, a definição e o estabelecimento do regime jurídico aplicável à contratação pública não têm por base, aquilo que é/pode/ou deve ser a legislação sobre o «funcionamento dos mercados regionais» ou da «atividade económica», numa perspetiva regional, sendo que é para isso que aponta, a nosso ver, a previsão de competência legislativa da alínea a) do n.º 2 do artigo 54.º ao enunciar aí a «atividade económica». Assim como, a «promoção da concorrência», prevista na alínea c) do n.º 2 do artigo 54.º, citado, não é amparo suficiente para nela estribar a competência legislativa de definição e estabelecimento de todo um regime jurídico aplicável à contratação pública. Pese embora a concorrência seja um valor basilar da contratação pública, esta engloba todo um conjunto de outros princípios e regras, que lhe são essenciais e nucleares, pelo que não pode reduzir-se àquela alínea a norma habilitante do RJCPRAA. Aliás, afigura-se-nos antes que, pelas boas regras de interpretação, maxime a interpretação teleológica, a compe- tência legislativa prevista no artigo 54.º do EPARAA, é a que visa, no âmbito da atividade respeitante ao comércio, indústria e energia, a promoção da concorrência no âmbito regional, e não a promoção da concorrência no regime jurídico da contratação pública. Nesta medida, não temos dúvidas em concluir que o invocado artigo 54.º, n.º 2, alíneas a) e c), do EPARAA, não é norma habilitante adequada que permita à Assembleia Legislativa legislar sobre o regime ou a regulação normativa da contratação pública de fornecimento/aquisição de serviços, que é a contratação pública que está em causa no presente procedimento. Por outro lado, ao contrário do invocado no preâmbulo do RJCPRAA, as normas habilitantes, do «n.º 1 do artigo 37.º e do artigo 40.º do Estatuto Político Administrativo da Região Autónoma dos Açores», também não conferem, por si só, efetivamente, competência à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores para legislar sobre todo o regime jurídico da contratação pública, nomeadamente, no que ao caso interessa, sobre a aquisição de serviços. 10. Nesta medida, não pode deixar de se concluir que está fora da competência legislativa própria da ALRAA legislar sobre o regime jurídico da contratação pública de fornecimento/aquisição de serviços e, assim, o artigo 1.º, n. os 1 e 2, do RJCPRAA, ao estatuir amplamente sobre a contratação pública, na parte em que abrange os contratos de aquisição de serviços, enferma de inconstitucionalidade orgânica, por violação das disposições conjugadas dos artigos 112.º, n. os 4 e 8, e 227.º, n.º 1, alíneas a) e x), ambos da Constituição da República Portuguesa. No sentido de que a inconstitucionalidade orgânica consiste na «infração das normas de competência» se pro- nunciam Gomes Canotilho e Vital Moreira . Por sua vez, analisando a «taxatividade da enumeração constitucional e estatutária dos poderes legislativos das regiões», na sequência da revisão constitucional de 2004, Carlos Blanco de Morais tende a concluir que «será organicamente inconstitucional um ato legislativo das regiões que incida sobre uma matéria que, fora dos domí- nios respeitantes às alíneas b) e c) do n.º 1 do art.º 227.º da CRP, não seja previamente definida como de âmbito regional no estatuto». 11. Perante esta realidade, ou seja, a ALRAA extravasou a sua competência legislativa própria, impõe-se a este Tribunal recusar a aplicação do artigo 1.º, n. os 1 e 2, do Regime Jurídico dos Contratos Públicos na Região Autónoma dos Açores, aprovado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 27/2015/A, de 29 de dezembro, quando invocado e aplicado em concurso público de aquisição de serviços, nos termos das disposições conju- gadas dos artigos 3.º, n.º 3, 277.º, n.º 1, e 204.º, todos da CRP. 12. Em consequência, deve o presente concurso público de aquisição de serviços reger-se pela legislação anterior, nomeadamente o Código dos Contratos Públicos (doravante CCP) e o Decreto Legislativo Regional n.º 34/2008/A, de 28 de julho , alterado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 15/2009/A, de 6 de agosto, que aprovou regras especiais de contratação pública na Região Autónoma dos Açores, uma vez que este se deve considerar repristinado, quando estejam

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=