TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
19 acórdão n.º 420/18 previstos no regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 147/2017, de 5 de dezembro, projeta os efeitos da concessão do direito nela previsto sobre a esfera jurídico-financeira dos municípios da RAM; deste modo, o poder de autodeterminação financeira que integra a autonomia financeira das autarquias locais não deixa de se mostrar afetado no seu conteúdo respeitante à decisão de gestão e disposição dos seus recursos financeiros, em especial os assentes nas receitas próprias – matéria que se integra no estatuto das autarquias locais, reservado à competência legislativa da Assembleia da República. XIV– Idêntica conclusão se alcança a partir da uma outra interpretação da norma sindicada, porque mesmo admitindo-se que se mantém intocado o traço essencial do regime geral aprovado pelo Decreto-Lei n.º 147/2017, de 5 de dezembro, respeitante ao carácter voluntário da adesão ao regime da tarifa social da água por parte dos municípios – e o traço de regime respeitante à determinação de outros critérios de referência para além dos consagrados por aquele diploma –, ainda se verifica uma imposi- ção, em relação aos municípios, uma vez deliberada a adesão voluntaria àquele regime, no sentido de atribuírem a tarifa social na água aos bombeiros da RAM – suportando o respetivo custo – e exclusiva- mente em razão dessa qualidade; trata-se, pois, igualmente, de uma alteração à configuração do regime geral em causa fixado pelo legislador para todo o território nacional – aprovado mediante decreto-lei autorizado por a matéria respeitar ao estatuto das autarquias locais – com incidência sobre o espaço de autonomia dos municípios, seja decisória, seja financeira. XV – Enquadrando-se a matéria objeto do regime de atribuição de tarifa social para a prestação de serviços de águas na reserva de competência legislativa da Assembleia da República relativa ao estatuto das autarquias locais (e não existindo excesso de forma na aprovação daquele regime), a emissão de norma (pela RAM) que imponha aos municípios a atribuição imperativa daquela tarifa a outro sujeitos e o custo respetivo – in casu , aos bombeiros da RAM –, sempre consubstanciaria, por identidade de razão, uma violação daquela cláusula de reserva; o exposto e a conclusão alcançada quanto à questão de constitucionalidade não é infirmado pelo disposto no regime vigente em matéria de sistema multimu- nicipal de águas (e resíduos) da RAM, segundo o qual ao mesmo podem aderir – e aderiram já cinco – municípios da RAM e a concedente, tendo em conta a prossecução de missões de interesse público aí previstas, pode atribuir reduções e isenções de taxas; por um lado, ainda que se possa admitir que os (cinco) municípios aderentes àquele sistema multimunicipal de águas da RAM se encontrem, por força dos traços do regime de concessão aprovado, fora do campo de aplicação do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 147/2017, de 5 de dezembro, a questão de constitucionalidade em causa não deixa de respeitar, pelo menos, aos demais (seis) municípios da RAM que podem voluntariamente aderir ao regime (nacional) de atribuição de tarifa social para a prestação de serviços de águas. XVI – Qualquer que seja a interpretação da norma sindicada que se tome por base, e tendo o conteúdo da nor- ma sindicada reflexo sobre o «quadro legal de nível nacional» em matéria de tarifa social na prestação de serviços de águas (ampliando o seu âmbito subjetivo de aplicação) e incidência direta – senão preclusiva, pelo menos fortemente limitativa – sobre elementos essenciais caracterizadores da autonomia local, em especial da autonomia decisória e financeira dos municípios – por via da necessária prossecução de inte- resses públicos por estes não determinados e da disposição de recursos financeiros próprios municipais sem prévia decisão dos órgãos municipais competentes –, é de concluir que a matéria sobre que incide a norma sindicada se reporta a matéria integrada na reserva relativa da Assembleia da República consagra- da na alínea q) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição – quer na vertente do estatuto das autarquias locais (atribuições e competências dos órgãos do município), quer na específica vertente, naquele conti- da, do regime das finanças locais, encontrando-se ferida de inconstitucionalidade orgânica.
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