TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
186 processo penal faculte à pessoa condenada pela prática de um crime a possibilidade de requerer uma reapreciação do objeto do processo por outro tribunal, em regra situado num plano hierarquicamente superior. Ora, com uma reapreciação jurisdicional, independentemente do seu resultado, revela-se satisfeito esse direito de defesa do arguido, pelo que a decisão do tribunal de recurso já não está abrangida pela exigência de um novo controle jurisdicional. O facto de nessa reapreciação se ter ampliado a matéria de facto considerada relevante para a decisão a proferir, tra- duz precisamente as virtualidades desse meio de controlo das decisões judiciais, não sendo motivo para se considerar que estamos perante uma primeira decisão sobre o thema decidendum, relativamente à qual é necessário garantir também o direito ao recurso. Na verdade, a ampliação da matéria de facto julgada provada não modifica o objeto do processo. Tal como a decisão da 1.ª instância, o acórdão do Tribunal da Relação que sobre ela recai limita-se a verificar se o arguido pode ser respon- sabilizado pela prática do crime que estava acusado e, na hipótese afirmativa, a definir a pena que deve ser aplicada, o que se traduz num reexame da causa. Assim, o Acórdão do Tribunal da Relação, apesar da alteração que introduziu à decisão recorrida, é já a segunda pronúncia sobre o objeto do processo, pelo que já não há que assegurar a possibilidade de suscitar mais uma instância de controle, a qual resultaria num duplo recurso, com um terceiro grau de jurisdição. (…) Ora, no caso dos presentes autos, como já acima evidenciámos, não estava em causa a apreciação de uma questão processual, com inteira autonomia em relação ao mérito da causa; o Tribunal da Relação, embora tendo dado como provado um facto que não havia sido considerado em 1.ª instância, fez uma reapreciação de todo o objeto do processo, não se podendo considerar que tenha proferido uma decisão em 1.ª instância. Assim sendo, e pelas razões expostas, impõe-se concluir que a interpretação normativa objeto de fiscalização não viola o disposto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, nem qualquer outro parâmetro constitucional, pelo que o presente recurso não merece provimento. […]” (itálicos acrescentados). É evidente a proximidade entre a norma apreciada no Acórdão n.º 385/11 e a que está em causa nos presentes autos, que não merece, por idênticas razões, qualquer censura. Note-se que da decisão recorrida não resulta “um juízo de não essencialidade da alteração da fundamen- tação operada pela Relação”, nem “um juízo de essencialidade dessa alteração da fundamentação” (para usar os termos do recorrente – cfr. conclusão 11.ª das suas alegações de recurso), nem cabe ao Tribunal Constitu- cional fazer tal ponderação, mas apenas apreciar a norma tal como foi aplicada na decisão recorrida (o que já resultou da delimitação operada em 2.1., supra ). Como tal, não está em causa quantificar a intensidade ou qualificar a alteração da matéria de facto, mas apenas constatar que ela existiu, em parte. Não se afigura razoável, pelas razões já adiantadas, afirmar que qualquer alteração da matéria de facto, apenas por ser relevante para a qualificação jurídico-criminal, abriria as portas ao recurso para o Supremo Tri- bunal, em matéria criminal, considerando a necessidade de racionalização do sistema de recursos, a aplicação de penas de prisão inferiores a 8 anos e, em particular, a circunstância de o Tribunal da Relação proceder a uma reapreciação global das questões de facto e de direito relevantes para o recurso, o que corresponde a um controlo jurisdicional completo e efetivo. O recorrente – por lhe interessar a argumentação que daí extrai – exacerba as consequências para a defesa de uma qualquer alteração dos fundamentos de facto, mas o certo é que, resultando esta altera- ção do exercício dos poderes de cognição da relação em matéria de facto, tal resultado está, obviamente, compreendido no âmbito da garantia de reapreciação jurisdicional da decisão condenatória proferida em primeira instância. Impor a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça sempre que os factos relevantes para a qualificação jurídico-criminal não coincidam absolutamente entre as instâncias retiraria ao legislador uma margem importante de regulação do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça.
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