TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

18 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL no quadro jurídico-constitucional português, como um princípio jurídico ordenador e estruturan- te da organização do Estado português, compreensivamente entendido na relação com outros princí- pios fundamentais, a que a Constituição se refere como dimensão da organização do Estado unitário e componente da organização democrática do Estado, estabelecendo, a seu respeito, reservas de lei, em especial, reservas de competência legislativa parlamentar, absolutas e relativas e erigindo a garantia da autonomia das autarquias locais a limite material de revisão constitucional. X – Da jurisprudência proferida por este Tribunal, quer na vigência da reserva em matéria de estatuto das autarquias locais contida na alínea s) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição, quer já depois da revisão constitucional de 1997, de acordo com a qual a reserva em causa passou a estar contida na alínea q) do n.º 1 do artigo 165.º resulta, quanto à apreciação da questão da inconstitucionalidade orgânica por violação da reserva prevista nas referidas alíneas do n.º 1 do artigo 165.º, que o estatuto das autarquias locais respeita desde logo à respetiva organização, atribuições e competência dos seus órgãos e à estrutura dos seus serviços e regime do respetivo funcionalismo. XI – No que respeita à configuração dos poderes expressamente conferidos aos municípios no quadro do regime de atribuição de tarifa social para a prestação dos serviços de águas (estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 147/2017, de 5 de dezembro), resulta do mesmo terem aqueles, além de outros, o poder de aderir, voluntariamente, ao regime de tarifa social e fixar, querendo, outros critérios de referência, diversos dos previstos na lei, para o acesso à tarifa social, assim podendo fixar critérios de elegibilidade suscetíveis de alargar o universo potencial dos consumidores finais beneficiários da mesma tarifa; de tal regime concluiu-se ainda resultar que a tarifa social ali prevista, dirigindo-se nos termos do diploma a consu- midores finais que se encontrem em situação de carência económica, é necessariamente financiada pelo município aderente territorialmente competente; quanto ao regime de atribuição de tarifa social para a prestação dos serviços de águas, o mesmo resultou do exercício de autorização legislativa conferida pela Assembleia da República ao Governo (na LOE para 2017), assim indiciando o tratamento de matéria reservada pela Constituição à competência legislativa da Assembleia da República; isto por, ao visar estabelecer um quadro unitário na definição do regime de acesso à tarifa social na prestação dos serviços de águas, incluindo quanto aos critérios de referência (“mínimos”) de que depende aquele acesso, poder contender com a liberdade de decisão dos municípios já existente na matéria e, por essa via, com poderes deliberativos, regulamentares e de gestão e de disposição e afetação da receitas próprias municipais, assim incidindo, nesta particular matéria, no seu espaço próprio de liberdade de decisão e de responsabilidade na prossecução das suas atribuições e na escolha dos meios financeiros que lhe estão afetos. XII – A norma ora sindicada, numa primeira interpretação, – ao “aditar” o direito (dos bombeiros da RAM) às tarifas sociais na água «de forma direta e inegável» –, quanto aos municípios da RAM, interfere (senão reti- rando, ao menos comprimindo) em dois dos poderes essenciais cometidos pelo Decreto-Lei n.º 147/2017, de 5 de dezembro, aos municípios (e a todos os municípios), mesmo a montante da questão dos efeitos financeiros da adesão e atribuição da tarifa social em causa: o poder de aderir, a título voluntário, ao regime em causa e o poder de definir outros critérios de referência, para além dos definidos por lei para a atribuição da tarifa social, apresentando, dessa forma, uma evidente incidência no núcleo de poderes essenciais con- feridos por lei, aprovada com base em autorização legislativa da Assembleia da República, aos municípios no âmbito do regime (nacional) de atribuição da tarifa social para a prestação dos serviços de água. XIII – A norma em causa, afetando recursos financeiros e receitas próprias dos municípios da RAM a uma finalidade extrinsecamente determinada pelo legislador regional, e em moldes que se afastam dos

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