TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
17 acórdão n.º 420/18 quanto à atribuição de tarifa social na água aos consumidores elegíveis segundo os critérios legais, ordenados à proteção de consumidores finais individuais em situação de carência económica, bem como aos beneficiários elegíveis segundo outros critérios de referência que os municípios podem determinar mas ainda ordenados, presume-se, à prossecução daquele objetivo de proteção; nesta pri- meira interpretação, seria de concluir que a norma sindicada – impondo a atribuição de um direito (benefício da tarifa social na água) aos bombeiros da Região Autónoma da Madeira ‘à custa’ de receitas dos municípios (preços cobrados pela prestação dos serviços de água) – não deixa de interferir com os traços do regime geral fixados pelo legislador e o espaço de autonomia dos municípios, seja decisória, seja financeira, no que respeita à assunção de despesas e livre disposição das suas receitas a prossecução dos seus fins, nos limites da sua autonomia financeira tal como regulada por lei. VI – Numa outra (segunda) interpretação possível da norma, que entenda não ser determinante o ele- mento gramatical relativo à “forma” de aditamento do direito – «de forma direta e inegável» –, é de admitir que a previsão do aditamento do direito à tarifa social na água da forma prevista não preclude a aplicação do disposto no regime (geral) de atribuição de tarifa social para a prestação dos serviços de águas e, nessa medida, não contende com o seu traço essencial respeitante ao carácter voluntário da adesão ao regime por parte dos municípios – e mesmo com o traço respeitante à determinação, por parte daqueles, de outros critérios de referência além dos previstos naquele regime; todavia, mesmo admitindo-se ser possível esta segunda interpretação da norma sindicada, é de concluir igualmente que a mesma não deixa de interferir com o espaço de autonomia dos municípios traçado pelo regime geral aprovado com base em autorização legislativa concedida pela Assembleia da República. VII – Mesmo que se considere intocado o poder de os municípios aderirem livremente ao regime em cau- sa – e mesmo de fixarem outros critérios de referência para além dos previstos na lei –, ainda assim a norma sindicada sempre se traduziria numa alteração do equilíbrio fixado pelo regime geral no que respeita ao universo dos beneficiários – e com acrescido custo financeiro para os municípios; a mera previsão pela norma sindicada da atribuição do direito em razão da qualidade de bombeiro (da Região Autónoma da Madeira) vem alterar os moldes da previsão legal quanto ao universo de potenciais beneficiários da tarifa social na água, já que impõe a atribuição da tarifa social a um (outro) universo pré-determinado pela norma sindicada, o que basta para se concluir igualmente, também nesta outra interpretação da norma sindicada, pela afetação por esta da composição de interesses (nacional e locais) subjacente ao regime geral – que terá justificado a aprovação de um regime uniforme para todo o território nacional e todos os municípios mediante autorização legislativa da Assembleia da Repú- blica – e, assim, pela afetação do espaço de autonomia dos municípios, seja decisória, seja financeira, no que respeita à assunção de despesas e livre disposição das suas receitas a prossecução dos seus fins. VIII– A questão de constitucionalidade, tal com colocada nos presentes autos, consiste em determinar se a norma sindicada versa sobre matéria que se encontra reservada à competência legislativa da Assem- bleia da República; por referência à matéria prevista na alínea q) do n.º 1 do artigo 165.º da Consti- tuição (estatuto das autarquias locais, incluindo o regime das finanças locais), entendeu o legislador de revisão constitucional, em 2004, manter a mesma na esfera de competência legislativa dos órgãos de soberania (Assembleia da República e Governo, mediante autorização parlamentar), sem possibilidade de a respetiva normação ser feita ao nível regional, mesmo com autorização. IX – A entender-se a cláusula de reserva de competência legislativa por referência à garantia constitucional da autonomia das autarquias locais, tenha-se em vista que o princípio da autonomia local se apresenta,
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