TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

168 III – Resultando a alteração dos fundamentos de facto do exercício dos poderes de cognição da Relação em matéria de facto, tal resultado está, obviamente, compreendido no âmbito da garantia de reapreciação jurisdicional da decisão condenatória proferida em primeira instância, pelo que impor a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça sempre que os factos relevantes para a qualificação jurídico-criminal não coincidam absolutamente entre as instâncias retiraria ao legislador uma margem importante de regulação do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça. IV – Embora o recorrente tente qualificar a pretendida reapreciação como “primeira” (porque exigida pelos “novos factos”), a verdade é que constituiu antes uma “segunda” apreciação: o resultado probatório em causa resulta já de uma reapreciação pelo tribunal de recurso, tratando-se de um segundo grau de recurso (não primeiro), que a Constituição não exige. V – Não colhe o argumento do pretendido paralelismo entre o processo penal e o processo civil, em que as questões se colocam em termos diversos, sendo também diferentes as necessidades de racionalização do sistema e o âmbito dos recursos, para além de a admissibilidade do recurso de revista depender, ainda, de condições adicionais, como sejam as de alçada e de sucumbência. Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – A Causa 1. Correu termos na (então designada) 1.ª Secção Criminal da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, com o n.º 188/11.5TELSB, um processo comum para julgamento por tribunal coletivo, sendo ali arguido, entre outros, A. (o ora recorrente), ao qual foi imputada a prática de crimes de burla qualificada, branqueamento e abuso de confiança agravado. A fase de julgamento em primeira instân- cia culminou na prolação de acórdão, datado de 28 de novembro de 2014, no qual se decidiu, relativamente àquele arguido: (i) absolvê-lo da prática de parte dos crimes que lhe foram imputados; (ii) condená-lo pela prática, em coautoria material, de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, alínea a) , do Código Penal na pena de 6 anos de prisão, pela prática de um crime de branqueamento, previsto e punido pelo artigo 368.º-A, n. os 1, 2 e 3, do Código Penal, na pena de 7 anos de prisão e, em cúmulo jurídico daquelas penas parcelares, na pena única de 10 anos de prisão; e (iii) condená- -lo (solidariamente com outros demandados) no pagamento à demandante de uma quantia a liquidar em execução de sentença, a título de danos patrimoniais. 1.1. Para além de outros recursos visando decisões intercalares, o arguido A. interpôs recurso do referido acórdão condenatória para o Tribunal da Relação de Lisboa, pugnando pela absolvição de todos os crimes que lhe foram imputados, ou, subsidiariamente, pela alteração da medida da pena ou, subsidiariamente, pela anulação e repetição do julgamento em primeira instância ou, subsidiariamente, pela baixa do processo à primeira instância para sanação de nulidades da decisão. 1.1.1. Em apreciação daquele recurso, foi proferido acórdão, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 1 de abril de 2016, no qual se decidiu, no que ora releva: (i) condenar o arguido A., pela prática, em coau- toria material, de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2,

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