TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
160 Misturar os elementos relativos ao pressuposto processual da legitimidade relativamente a estes pedidos é confuso e desnecessário. 3. Os requerentes – deputados regionais – pediram a declaração de ilegalidade de uma norma constante de um decreto legislativo regional (artigo 47.º do Decreto Legislativo Regional n.º 42-A/2016/M, o Orça- mento da RAM para 2017). De acordo com essa norma, de uma forma genérica, não é devida aos docentes contratados pela Secretaria Regional de Educação a termo resolutivo a compensação por caducidade a que se referem o n.º 3 do artigo 293.º e o n.º 4 do artigo 294.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), se ocorrer a celebração de novo contrato sucessivo até 31 de dezembro do ano letivo seguinte. Existia uma norma com conteúdo equivalente aplicável aos docentes contratados pelo Ministério da Educa- ção que vigorou, no entanto, apenas durante 2015. Como fundamento para o pedido de fiscalização de legalidade formulado alegam que a norma é incom- patível com o artigo 79.º do EPARAM. Este preceito é muito abrangente mas, tendo em conta a fundamen- tação do pedido, é possível determinar a norma parâmetro invocada como sendo a do n.º 2 do artigo 79.º, que determina que «As habilitações literárias, a formação técnica e o regime de quadros e carreiras dos fun- cionários dos serviços regionais regem-se pelos princípios fundamentais estabelecidos para os funcionários do Estado». O Estatuto define, assim, uma regra de identidade dos princípios que devem reger as habilitações literárias, a formação técnica e o regime de quadros e carreiras dos funcionários públicos na República e na Região. A questão que os requerentes pretendiam ver apreciada resume-se, afinal, à seguinte: a inexistência de compensação pela cessação do contrato de trabalho dos docentes regionais, em certos casos, prevista para os docentes no continente, viola um dos «princípios fundamentais» do «regime de quadros e carreiras» dos «funcionários do Estado» que o Estatuto manda aplicar aos «funcionários dos serviços regionais»? Era de apreciar, assim, pelo Tribunal Constitucional se a identidade de regimes entre «funcionários do Estado» e «funcionários dos serviços regionais» que o Estatuto ordena é respeitada. Não se trata, portanto, de apreciar se a norma do artigo 47.º do Orçamento da RAM para 2017 viola as bases gerais do regime da função pública, como o Tribunal parece ter entendido, na reinterpretação que fez do pedido. Os autores pedem a fiscalização da legalidade de uma norma regional à luz de uma norma do Estatuto, que acolhe como aplicáveis aos trabalhadores em funções públicas da Região os princípios gerais do regime dos trabalhadores em funções públicas da administração central. O Estatuto não faz qualquer referência às bases do regime e âmbito do vínculo de emprego público, mas aos seus princípios gerais. Não se trata, pois, de disciplinar a matéria substantiva aplicável aos funcionários – caso em que se poderia entrar em contradição com a Lei de Bases – mas de estabelecer uma regra de “espelho” de regime, de receção do regime dos funcionários da República. Desta forma, a análise do regime geral de quadros e carreiras dos funcioná- rios do Estado visa apenas a identificação desses princípios em ordem a garantir a sua aplicação também aos funcionários dos serviços regionais – sendo indiferente a natureza da norma que estabelece esses princípios (base ou não) para a discussão da legitimidade dos autores. Por conseguinte, não faz sentido defender a falta de legitimidade dos autores, já que estes se limitam a suscitar uma questão de legalidade de uma norma por violação das bases consagradas na LGTFP. 4. Sendo este o pedido e o respetivo fundamento, têm os requerentes claramente legitimidade para os formular, no uso do poder que lhes é conferido pelo artigo 281.º, n.º 2, alínea g) , parte final – («quando o pedido de declaração de ilegalidade se fundar em violação do respetivo estatuto»). Pode discutir-se, num segundo momento, a validade da norma diante da interpretação do Estatuto para se decidir se assiste razão aos recorrentes. O que não me parece aceitável é a recusa em apreciar a questão colo- cada, fechando a porta do Tribunal e impedindo os agentes regionais de ter acesso à jurisdição constitucional.
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