TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
159 acórdão n.º 377/18 competência entre Estado e regiões (cfr. Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, anotação X ao artigo 281.º, Coimbra, 2007, pp. 809-810 e Jorge Miranda, Fiscalização da Constitucionalidade, Alme- dina, Coimbra, 2017, p. 324, nota 841). – Maria Clara Sottomayor. DECLARAÇÃO DE VOTO 1. Vencida. Um conjunto de deputados da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira (RAM) pediu a fiscalização da legalidade de uma norma de um decreto legislativo regional, ao abrigo do artigo 281.º, n.º 2, alínea g) , da Constituição, indicando como parâmetro uma norma do Estatuto Político-Administrativo dessa Região (EPARAM), mais especificamente o seu 79.º. O Tribunal Constitucional, no presente Acórdão, decide não conhecer do pedido com fundamento na ilegitimidade dos requerentes por a norma em causa, apesar de decorrer da interpretação de um preceito do Estatuto, não dever ser considerada materialmente estatutária. Parece resultar da fundamentação algo con- fusa do acórdão que a matéria em causa integra as bases referidas no artigo 165.º, n.º 1, alínea t) , da Cons- tituição, o que significaria que estaria integrada na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República – logo, fora do conceito material de Estatuto Político-Administrativo. 2. Encontro-me vencida relativamente a esta decisão por ela representar, uma vez mais, uma leitura incompreensivelmente restritiva da legitimidade dos órgãos de governo próprio das Regiões junto do Tribu- nal Constitucional, sem base suficiente no texto da Constituição. Já tive oportunidade de me confrontar com uma outra dimensão desta leitura no meu voto ao Acór- dão n.º 746/14, no qual o Tribunal Constitucional também recusou conhecer do pedido de fiscalização da legalidade formulado ao abrigo do artigo 281.º, n.º 2, alínea g) , da Constituição, nesse caso, por considerar que estava em causa não uma questão de legalidade (que era a questão suscitada pelo requerente), mas uma questão de constitucionalidade (que não fazia parte do pedido e para a qual o requerente não tinha legiti- midade). Disse, nesse voto, que «o Tribunal Constitucional, após uma evolução no entendimento da ação de fiscalização da legalidade por violação do Estatuto, está a involuir, misturando a fiscalização da constitu- cionalidade com a fiscalização da legalidade, enleando-se numa argumentação cujo sentido não se percebe mas que desvirtua o sentido emergente da fiscalização da legalidade. (…) não pode ser esquecido que, como referiu o Acórdão n.º 96/14, no seu n.º 7, existem “notáveis diferenças de regime entre a inconstitucionali- dade e a ilegalidade por violação de estatuto, nomeadamente, a diferença respeitante ao âmbito de legitimi- dade”. Também estas diferenças exigem um cuidado redobrado na distinção entre as duas figuras. Por todos estes motivos, deve aceitar-se a ilegalidade com fundamento em violação do Estatuto como vício autónomo relativamente à inconstitucionalidade, com pressupostos processuais distintos, a analisar autonomamente». O Tribunal Constitucional continua, infelizmente, a trilhar essa senda com o presente Acórdão – com a confusão adicional entre a invocação do Estatuto como parâmetro de fiscalização de legalidade (pedido relativamente ao qual os requerentes têm legitimidade) e a fiscalização da legalidade fundada numa lei de bases (relativamente ao qual essa legitimidade não se verifica). A fundamentação do Acórdão, baseada no entendimento de que a norma estatutária invocada não deve- ria ser considerada como uma norma materialmente estatutária, de onde se retiraria a falta de legitimidade dos requerentes, confunde legitimidade com mérito. Tendo sido pedida a fiscalização da legalidade do ato legislativo regional, com base em violação de Estatuto, a legitimidade dos requerentes está especificamente prevista na Constituição e de forma autónoma quer relativamente ao pedido de fiscalização de constitucio- nalidade quer quanto ao pedido de fiscalização da legalidade com base em outras leis com valor reforçado.
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