TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
152 As habilitações literárias, a formação técnica e o regime de quadros e carreiras dos funcionários públicos regionais, referidos no n.º 2, regem-se, segundo esta disposição, pelos princípios fundamentais estabelecidos para os funcionários do Estado. Trata-se de matérias, que devem, contudo, respeitar os princípios fundamen- tais estabelecidos para os funcionários do Estado, sendo que, estes princípios, devido à sua natureza funda- mental e estrutural, são da competência exclusiva da Assembleia da República, porque integram o conceito de «bases» do regime e âmbito da função pública. A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem entendido que o âmbito material do estatuto de cada região autónoma se encontra delimitado negativamente pelo princípio da reserva de lei da Assembleia da República (vide, entre outros, os Acórdãos n. os 525/08, 238/08, 581/07, 567/04 ou 162/99), o que corres- ponde, no fundo, ao disposto no artigo 228.º, n.º 1, da CRP: «A autonomia legislativa das regiões autó- nomas incide sobre as matérias enunciadas no respetivo estatuto político-administrativo que não estejam reservadas aos órgãos de soberania». Sendo assim, como questão prévia à apreciação da legalidade do ato normativo questionado, importa ter em conta que o poder legislativo regional está limitado, negativamente, na medida em que não pode versar sobre matérias reservadas à competência dos órgãos de soberania. É que a definição do elenco de matérias que constituem a competência legislativa reservada da Assembleia da República, nos artigos 164.º e 165.º da CRP, não releva apenas para o efeito de delimitação de competência legislativa entre o Parlamento e o Governo, mas também para determinar a exclusão da competência legislativa das regiões autónomas. Para legislar sobre estas matérias, é competente, «de forma exclusiva e excludente», apenas o próprio Estado (cfr. Jorge Miranda/Rui Medeiros, Anotação ao artigo 228.º, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coim- bra Editora, Coimbra, 2007, p. 349). Neste sentido, sintetizando esta posição, afirma-se, no Acórdão n.º 525/08 e na jurisprudência nele citada, que: «E a verdade é que o Tribunal já recusou carácter estatutário a normas inscritas em preceitos dos Estatutos das Regiões. O Tribunal considerou, por exemplo, que não podem haver-se como materialmente estatutárias as normas respeitantes a matérias relativas ao direito eleitoral (Acórdão n.º 1/91), à organização e funcionamento dos tribunais administrativos (Acórdão n.º 460/99) e às relações financeiras entre a República e as Regiões Autónomas (Acórdãos n. os 567/04, 11/07, 581/07 e 238/08). Nestes casos, o Tribunal verificou que as matérias tratadas se incluíam no âmbito da reserva de competência legislativa da Assembleia da República, tendo concluído que a sua inclusão nos Estatutos afecta essa reserva, por força da regra da iniciativa originária exclusiva das assembleias legis- lativas das Regiões”. Mais à frente, citando Jorge Miranda, é mencionado que “«competindo a iniciativa originária do estatuto ou das suas alterações (como bem se compreende) à Assembleia Legislativa Regional (art. 226.º), se o estatuto pudesse abarcar qualquer matéria, ficaria, por esse modo, limitado o poder de iniciativa dos deputados, dos grupos parlamentares, de grupos de cidadãos ou do Governo da República (art. 167.º)” (…)». 10. Natureza do regime dos artigos 293.º, n.º 3, e 294.º, n.º 4, da LGTFP e relação com a matéria reservada à República Teremos, então, no caso sub judice , que analisar também, como pressuposto da decisão, a natureza dos artigos 293.º, n.º 3 e 294.º, n.º 4, da LGTFP e a sua relação com a matéria reservada à Assembleia da República, pelo artigo 165.º, n.º 1, alínea t) , da CRP, que diz respeito às bases do regime e âmbito da função pública. Tem-se entendido que, no que diz respeito ao alcance da reserva de competência legislativa da AR, exis- tem três níveis (cfr., entre outros, os Acórdãos n. os 3/89 e 793/13; Gomes Canotilho/Vital Moreira, Consti- tuição da República Portuguesa Anotada, Vol. II, 4.ª edição, Coimbra, 2010, p. 325):
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