TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

139 acórdão n.º 376/18 De facto, sendo um regime legal de natureza predominantemente administrativa, no qual se exige, entre outras condições relativas ao exercício de determinada atividade, a verificação do requisito de inexistência de uma condenação pela prática de um crime, tal conjunto de normas corresponde, em primeira linha, a um regime legal potencialmente restritivo de um direito fundamental – direito à liberdade de exercício e escolha de profissão –, encaminhando o aplicador do direito para apreciação da sua constitucionalidade ao abrigo do artigo 18.º da CRP, e não a um regime constitucional cuja ratio visa predominantemente o afastamento do efeito estigmatizante das penas e a promoção da reabilitação do delinquente, em clara ambiência e domínio penal (n.º 4 do artigo 30.º da Constituição). Ora, visto que as normas em escrutínio estabelecem a inexistência de uma pretérita condenação, por sentença transitada em julgado, pela prática de crime doloso, como requisito legal relativo à futura atri- buição, por ato administrativo, de uma permissão para o exercício da atividade de segurança privada, são, de facto, normas cuja constitucionalidade obriga à consideração do concreto direito fundamental por elas restringido – direito fundamental à liberdade de escolha de profissão – e, consequentemente, à verificação da legitimidade constitucional dessa restrição. 13. A “tensão” verificada entre a proibição do n.º 4 do artigo 30.º e a defesa do interesse subjacente a um regime de direito público relativo à atribuição de um título administrativo, não significa, no entanto, que os valores constitucionais protegidos por um e outro regime sejam incompatíveis ou inconciliáveis entre si. Significa apenas que eles têm âmbitos de aplicação que não são coincidentes. O n.º 4 do artigo 30.º da CRP proíbe o Estado de restringir a liberdade ou atingir os interesses dos cidadãos por conta de certo tipo de razões, relacionadas com as qualidades pessoais dos condenados. Essas razões – que se reconduzem ao juízo de que os delinquentes têm uma dignidade diminuída – não podem ser admitidas como razões válidas para o Estado limitar quaisquer direitos. Qualquer medida restritiva de direitos cujo fundamento precípuo seja esse é liminarmente interditada pela Constituição. Coisa diversa é o Estado limitar as liberdades ou outros direitos daqueles que cometeram crimes, não por razões subjetivas, relacionadas com a diminuição do seu estatuto pessoal, mas por razões objetivas, que se prendem com a natureza da atividade por eles exercida e com outros valores constitucionais suscetíveis de serem afetados por essa atividade. Ora, prosseguindo o n.º 4 do artigo 30.º da CRP uma função de impedir a estigmatização de quem tenha sido condenado pela prática de um crime ou numa certa pena, ele não deve ser primordialmente convocado numa situação em o que o legislador pretende é – legitimamente – acautelar a idoneidade para o exercício de uma atividade suscetível de contender com direitos fundamentais de outros cidadãos no domí- nio da segurança. Isso não impede que não se possam retirar do citado n.º 4 do artigo 30.º, em obediência ao princípio da unidade da Constituição, elementos interpretativos a considerar na apreciação da proporcionalidade da restrição promovida pelas normas aqui sindicadas – nomeadamente um princípio geral de não automatismo dos efeitos da condenação – o que, no entanto, não é a mesma coisa que aplicá-lo diretamente. O entendimento de que esses dois regimes não se excluem em absoluto já foi, aliás, implicitamente reconhecido no mencionado Acórdão n.º 748/14, no qual se apreciou, precisamente, a constitucionali- dade da alínea d) do n.º 1 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 35/2004, de 21 de fevereiro (disponível em www.tribunalconstitucional.pt ). É nesse sentido que chegamos à conclusão de que o juízo de constitucionalidade das normas jurídico- -administrativas que estabelecem pressupostos legais relativos ao concreto exercício da profissão ou atividade de segurança privada deve passar, prima facie , pela consideração do regime do n.º 2 do artigo 18.º, por serem nor- mas restritivas do direito fundamental à liberdade de escolha e de exercício de profissão (n.º 1 do artigo 47.º). 14. Assim, a norma constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 22.º da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, bem como as normas constantes dos n. os 2, 3 e 4 do mesmo artigo, quanto à remissão feita para primeira,

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