TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
138 da necessidade e da jurisdicionalidade, princípios esses de todo em todo inafastáveis de uma lei fundamental como a CRP, que tem por referente imediato a dignidade da pessoa humana (cf., em particular, o artigo 1.º) – (…)» (Acórdão disponível em www.tribunalconstitucional.pt ) Deste modo, visto que a norma extraível da alínea d) do n.º 1 do artigo 22.º da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, estabelece um efeito automático consequente da prática de um crime, o n.º 4 do artigo 30.º da CRP seria, nesta medida, o parâmetro normativo diretamente aplicável à apreciação da sua constitucionalidade. Aliás, neste sentido já decidiu, por diversas vezes, este Tribunal, ao ter o n.º 4 do artigo 30.º da Consti- tuição como diretamente aplicável ao escrutínio da constitucionalidade de normas incluídas num contexto normativo relativo à definição legal de requisitos para o exercício de uma atividade, de uma profissão ou para a aquisição de um dado estatuto (cfr., entre outros, os Acórdãos n. os 562/03, 154/04, 239/08, 473/09 e 25/11, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ). Veja-se, em particular, o Acórdão n.º 154/04, que declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucio- nalidade da norma constante do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 263/98, de 19 de agosto, que estabe- lece as condições de acesso e de exercício da profissão de motorista de táxi, e que considerava, para esse efeito, como não idóneas, durante um período de três anos após o cumprimento da pena, as pessoas que tivessem sido condenadas em pena de prisão efetiva igual ou superior a três anos, salvo reabilitação, por violação do n.º 4 do artigo 30.º da CRP (Acórdão disponível em www.tribunalconstitucional.pt ). No mesmo sentido, veja-se ainda o Acórdão n.º 25/11, que julgou inconstitucional a norma da alínea e) do n.º 1 do artigo 9.º do “Regulamento Municipal do Licenciamento do Exercício e da Fiscalização da Atividade de Guarda-Noturno”, que estabelecia como requisito de admissão a concurso para a atribuição de licença de exercício da atividade de guarda-noturno a inexistência de condenação, com sentença transitada em julgado, pela prática de crime doloso, bem como do artigo 25.º, que possibilita a revogação da licença com fundamento da ineptidão do seu titular para o exercício da atividade, por violação do n.º 4 do artigo 30.º da CRP (Acórdão disponível em www.tribunalconstitucional.pt ). 12. No entanto, nem sempre foi consensual a escolha deste quadro referencial para aferir da constitu- cionalidade de normal legal que estabeleça a não condenação pela prática de um crime enquanto critério de idoneidade para o exercício de uma determinada atividade ou profissão. Ainda que com divergências quanto ao percurso argumentativo delineado, o Tribunal tendeu, num número relevante de arestos, preferência pela aplicação do n.º 2 do artigo 18.º da CRP, por primordialmente configurar as normas em causa como restritivas de um dado direito fundamental (cfr. Acórdãos n. os 363/91, 522/95, 202/00, 311/12, 106/16; Declarações de Voto dos Conselheiros Carlos Pamplona de Oliveira e Maria dos Prazeres Pizarro Beleza no Acórdão n.º 562/03; Declaração de Voto do Conselheiro Pedro Machete no Acórdão n.º 331/16). Esta referenciação ao princípio da proporcionalidade, e ao regime das leis restritivas de direitos, liber- dades, garantias, assenta no entendimento de que as normas jurídicas que estabelecem pressupostos relativos à aquisição de um direito mediante a atribuição de um título administrativo correspondem a um regime de direito administrativo. Este, sendo animado pela valoração própria convocada pela presença de um inte- resse público, transporta-nos para um contexto específico, que não sendo totalmente alheio aos valores centrais em causa no artigo 30.º, n.º 4, do CRP – a ressocialização do delinquente; a não estigmatização pela aplicação da pena; a não realimentação de um processo de exclusão social como efeito de uma etique- tagem desvaliosa –, é, todavia, um contexto de não automaticidade, diverso, na sua essência significativa, do que diretamente se expressa nesses valores. Aqui, no contexto da alínea d) do n.º 1 do artigo 22.º da Lei n.º 34/2013, a existência do facto histórico pretérito expresso na condenação pela prática de um crime, pode ser consequencialmente encarado, numa lógica de ponderação de interesses, rectius , num quadro de atuação do princípio da proporcionalidade.
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