TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

137 acórdão n.º 376/18 Em suma, o legislador constitucional exclui que a perda de direitos civis, profissionais ou políticos seja configurada, pelo legislador infraconstitucional, como um efeito ope legis aquando da aplicação de uma dada pena, em detrimento de uma decisão que pondere as circunstâncias concretas de cada caso. Só neste quadro a pena é contida na sua exata base de legitimação constitucional, e só assim, algum tipo de projeção dessa circunstância (a aplicação de uma pena) é constitucionalmente tolerada, porque deixa de envolver, “como efeito necessário”, a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos. Assim se observa autonoma- mente o princípio da culpa e da proporcionalidade na produção de qualquer efeito desvalioso, ou de pendor sancionatório, conexionado com a anterior aplicação de uma pena (cfr., entre outros, Acórdãos n. os 284/89, 442/93 e 748/93, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) ou condenação pela prática de um crime, a esta incidência estendendo teleologicamente o âmbito protectivo do artigo 30.º, n.º 4 (cfr., entre outros, os Acórdãos n. os  91/84, 282/86, 284/89, 522/95, 327/99, 76/00, 87/00, 405/01 e 562/03, 239/08 e 368/08). Sobre o âmbito de aplicação deste parâmetro normativo, é de aludir à eventual extensão dessa proibição aos casos em que o efeito automático é configurado como uma consequência da condenação pela prática de um crime e não como resultado necessário da aplicação de uma pena. Até porque, recorde-se, o presente processo tem precisamente como objeto normas cujo efeito automá- tico está previsto como decorrência da prática de um crime – impossibilidade de exercício da atividade de segurança privada por quem haja sido condenado, por sentença transitada em julgado, pela prática de um crime na forma dolosa –, e não como efeito da aplicação de pena. Ora, neste âmbito, o Tribunal Constitucional tem reiteradamente admitido a aplicação do n.º 4 do artigo 30.º da CRP a casos nos quais a perda de direitos é configurada, pelo legislador, como um efeito necessário da condenação pela prática de um crime, aderindo, pois, ao entendimento de que esse parâmetro normativo não se encontra limitado às normas que prevêem um efeito automático decorrente da aplicação de uma pena (cfr., entre outros, os Acórdãos n. os  91/84, 282/86, 284/89, 522/95, 327/99, 76/00, 87/00, 405/01 e 562/03, 239/08 e 368/08). Na adopção deste entendimento, destaca-se, pela fundamentação aí exposta, o Acórdão n.º 284/89, do qual se transcreve as seguintes linhas: «Primeiro que tudo, cabe notar que, aquando da revisão constitucional de 1982 que deu ao n.º 4 do artigo 30.º a sua actual redaccção vigorava ainda o Código Penal de 1886 e que, no capítulo n do título n, do livro i deste compêndio normativo, subordinado à epígrafe «Dos efeitos das penas» se contemplavam tanto os efeitos resultan- tes da condenação em certas penas como os efeitos advenientes da condenação por certos crimes (cf., em especial, os artigos 76.º, 77.º e 78.º). (…) Existia, pois, nessa altura, no nosso direito positivo, um conceito lato de efeito das penas (cf., nesse sentido, Cavaleiro de Ferreira, Direito Penal, 1961, vol. II, p. 181, que, a tal propósito, escrevia então: «Indiferentemente se pode assim denominá-lo efeitos das penas ou efeitos da condenação penal»).  (…) Neste contexto, esse sentido lato de «efeitos das penas» é que será efectivamente o do n.º 4 do artigo 30.º da CRP, e isto por duas ordens de razões. Por um lado, é de presumir, e salvo prova em contrário, que o legislador constituinte, ao menos em princípio, acolhe sempre os conceitos jurídicos pré-existentes; e, por outro lado, e con- siderando a ratio legis do novo n.º 4 do artigo 30.º, rectius , a motivação humanística que está na base do programa da norma, se não vê que aí se tenha querido distinguir entra as duas situações normativas para limitar apenas a uma delas a proibição. Na verdade, e pelo que se refere a esta último aspecto, com tal preceito constitucional pretendeu-se proibir que, em resultado de quaisquer condenações penais, se produzisse automaticamente, pura e simplesmente ope legis , efeitos que envolvessem a perda de direitos civis, profissionais e políticos, e pretendeu-se que assim fosse, porque, em qualquer caso, essa produção de efeitos, meramente mecanicista, não atenderia afinal aos princípios da culpa,

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