TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018

106 Nos casos em que a revogação, expressa ou tácita, do regime anterior seja efetuada pela norma declarada inconstitucional, é incontestável o efeito repristinatório da declaração de inconstitucionalidade. Não é isso, porém, o que sucede no presente caso. Os diversos diplomas que, antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 220/2008, regulavam a segurança contra incêndio em edifícios foram revogados expressamente pelo artigo 36.º desse diploma. Com uma ou outra exceção, foram revogados na sua globalidade. Ora, esses diplo- mas – tal como, aliás, indiscutivelmente, o próprio Decreto-Lei n.º 220/2008 – versavam sobre inúmeras matérias que nada têm que ver com o estabelecimento de requisitos para a elaboração de projetos, planos e estudos em matéria de segurança contra incêndio em edifícios. Alguns deles continham verdadeiros regimes: é o caso, por exemplo, dos já citados Decretos-Leis n. os 64/90 e 414/98, que aprovaram, respetivamente, os Regulamentos de Segurança contra Incêndio em Edifícios de Habitação e em Edifícios Escolares. Tendo o legislador, através de uma norma cuja inconstitucionalidade não está em causa – a inconstitucionalidade dos n. os 1 a 3 do artigo 16.º não contamina o Decreto-Lei n.º 220/2008 na sua globalidade –, optado por revogar esses regimes in totum , não podem as soluções parcelares neles contidas ser repristinadas nos termos do n.º 1 do artigo 282.º da Constituição. A inconstitucionalidade das normas objeto do pedido em apreciação em nada afeta a norma revogatória (no sentido de que o decisivo nestes casos é determinar se as normas decla- radas inconstitucionais afetam a norma revogatória, cfr. Rui Medeiros, A Decisão de Inconstitucionalidade , Lisboa: Universidade Católica Editora, 1999, pp. 662 e seguintes). Contudo, a constatação de que a declaração de inconstitucionalidade das normas ora sindicadas não afecta a norma revogatória constante do referido artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 220/2008, de 12 de novem- bro, não se afigura motivo suficiente para acolher o pedido de limitação de efeitos formulado pelo órgão autor da norma – segundo o qual, por «razões objetivas e fundamentadas de segurança jurídica e de interesse público de excecional relevo» os efeitos da eventual declaração de inconstitucionalidade com força obriga- tória geral deveriam ser temporalmente restringidos «preservando os efeitos jurídicos já produzidos desde a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 220/2008» e, assim, projetar-se exclusivamente para o futuro –, pelas razões essenciais que de seguida se explicitam. 18. Desde logo, a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral das normas sindica- das, com os efeitos supra explicitados, assim eliminando do ordenamento jurídico as normas que continham uma restrição ao direito fundamental em causa nos presente autos, não se projeta sobre a validade dos projetos de SCIE e as medidas de autoproteção (planos de segurança internos, na terminologia anterior ao Decreto-Lei n.º 224/2015) elaborados na vigência das mesmas. Por um lado, as exigências para a elaboração de projetos de SCIE previstas na versão originária do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 220/2008 não respei- tavam a todas as categorias de risco, mas apenas aos edifícios e recintos classificados na 3.ª e 4.ª categorias e, por outro lado, a intensificação de tais exigências decorrente do Decreto-Lei n.º 224/2015, no que à 1.ª categoria de risco se refere, apenas respeita às utilizações-tipo IV e V. 19. Depois, a produção de efeitos ex tunc da declaração de inconstitucionalidade das normas sindicadas, seja na versão originária do Decreto-Lei n.º 220/2008, de 12 de novembro, seja na versão resultante das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 224/2015, de 9 de outubro, deixa intocado o regime vigente aprovado pelo primeiro diploma (com as alterações introduzidas pelo segundo) em matéria de condições técnicas (gerais e específicas) de SCIE, de realização de vistorias e de inspeção das condições do SCIE pelas entidades competentes (seja a ANPC, seja uma entidade por esta credenciada) – previstas, em especial, nos seus artigos 15.º, 17.º, 18.º e 19.º e 5.º (segundo o qual a ANPC é a entidade competente para assegurar o cumprimento do regime de SCIE e para a credenciação de entidades para a emissão de pareceres e para a realização de vistorias e de inspeções das condições do SCIE) – e de fiscalização – prevista no artigo 24.º. E, mantendo-se em vigor – num domínio, admite-se, sensível para a segurança das pessoas e do patri- mónio – tais (outras) normas do regime legal, no qual se inserem as normas sindicadas, que permitem assegu- rar o cumprimento das (demais) condições técnicas de SCIE previstas na lei, bem como a realização de acões

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