TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
104 de autoproteção, com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 224/2015, deixaram de o estar. Estamos, portanto, perante uma limitação à liberdade de escolha e exercício da profissão, nos termos em que esta se encontra protegida no artigo 47.º, n.º 1, da Constituição. Para os efeitos desta disposição constitucional é, como vimos, irrelevante determinar se em causa está a escolha ou o exercício de uma profissão: o exercício da profissão de arquiteto, engenheiro ou engenheiro técnico. Ambas as vertentes se encontram protegidas pelo artigo 47.º, n.º 1. 13. Na medida em que configuram uma restrição a um direito, liberdade e garantia, as normas con- tidas nos n. os 1 e 2 do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 220/2008, na redação efetuada pelo Decreto-Lei n.º 224/2015, encontram-se sujeitas ao regime estabelecido no artigo 18.º da Constituição, nomeadamente na parte em que este, no n.º 2, se refere ao princípio da proporcionalidade. Independentemente desse juízo material, todavia, impõe a alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição que as normas em questão constem de lei da Assembleia da República ou de decreto-lei por esta autorizado. Tal não sucede no presente caso. O Decreto-Lei n.º 224/2015 foi emitido ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, ou seja, no âmbito da competência legislativa primária do Governo. Deste modo, as normas dos n. os 1 e 2 do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 220/2008, na redação efetuada pelo Decreto-Lei n.º 224/2015, constituem, da parte do Governo, uma invasão da competência legislativa da Assembleia da República. São, assim, organicamente inconstitucionais, por violação do dis- posto na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição. 14. O pedido efetuado pelo Provedor de Justiça é, porém, mais abrangente. Além da inconstituciona- lidade do n.º 3 do artigo 16.º, invocada a título consequencial, são impugnadas as normas contidas nos n. os 1 a 3 da versão originária deste preceito. É, do mesmo modo, alegada a violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, com referência ao artigo 47.º, n.º 1. Segundo o n.º 1 do artigo 282.º da Constituição, a declaração de inconstitucionalidade com força obri- gatória geral de uma norma determina a repristinação das normas que ela haja revogado. Por conseguinte, uma eventual declaração de inconstitucionalidade das normas dos n. os 1 e 2 do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 220/2008, na redação que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n.º 224/2015, determinaria a repristinação da sua versão originária. Importa, portanto, averiguar se nessa versão tais normas também padecem de incons- titucionalidade orgânica. Até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 220/2008, não havia, como se viu, um regime único relativo à segurança contra incêndio em edifícios, mas inúmeros diplomas parcelares, aplicáveis a diferentes tipos de edifícios e recintos. Não havia uniformidade em relação às habilitações a exigir para a elaboração de projetos, planos e estudos em matéria de segurança contra incêndio em edifícios. Em todo o caso, não se estabelecia, como requisito geral para a elaboração de planos de SCIE, relativamente a determinadas cate- gorias de risco, a inscrição na Ordem dos Arquitetos, na Ordem dos Engenheiros ou na então denominada Associação Nacional dos Engenheiros Técnicos, nem uma certificação de especialização a atribuir por essas ordens profissionais. Do mesmo modo, não se previa, como requisito geral para a elaboração de medidas de autoproteção, relativamente a determinadas categorias de risco, a inscrição nas ordens profissionais referidas, nem a indicação, por parte destas, dos técnicos especializados para o efeito. O estabelecimento de tais requisitos, ainda para mais relativamente a todos os tipos de recintos e edifí- cios, constitui um entrave ao acesso à atividade profissional em questão – e, seguramente, uma limitação ao exercício das profissões de arquiteto, engenheiro e engenheiro técnico. Teria, nessa medida, de constar de lei da Assembleia da República ou de decreto-lei por esta autorizado. Não tendo isso sucedido – o Decreto-Lei n.º 220/2008 foi emitido ao abrigo da competência legislativa primária do Governo, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição –, são as normas constantes dos n. os 1 e 2 do artigo 16.º do Decreto- -Lei n.º 220/2008, na sua versão originária, organicamente inconstitucionais, por violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição.
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