TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 102.º volume \ 2018
102 competência da Assembleia da República legislar em matéria de direitos, liberdades e garantias. Tendo os Decretos-Leis n. os 220/2008 e 224/2015 sido ambos emitidos ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, e não estando, portanto, devidamente credenciados por uma lei de autorização da Assembleia da República, seriam, assim, na parte em que estabelecem requisitos para a prática de determi- nados atos profissionais, organicamente inconstitucionais, por violação da alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º. 10. Neste contexto, importa, desde logo, delimitar o âmbito de proteção do artigo 47.º, n.º 1, da Constituição, de modo a determinar se a matéria objeto das normas em apreciação no presente processo aí se integra. Este preceito constitucional estabelece o seguinte: «[t]odos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse coletivo ou inerentes à sua própria capacidade». Sobre esta disposição, já se pronunciou o Tribunal em inúmeras ocasiões. No Acórdão n.º 88/12, consta a seguinte síntese, correspondente a uma jurisprudência firme e constante do Tribunal: «Na sua vertente de direito de defesa, a liberdade de escolha de profissão implica que se não possa ser forçado a escolher (e exercer) uma determinada profissão e se não possa ser impedido de escolher (e exercer) qualquer profis- são para a qual se possua os necessários requisitos, bem como de obter esses mesmos requisitos. Por outro lado, a liberdade de escolha de profissão não consiste apenas na faculdade de escolher livremente a profissão desejada, mas garante constitucionalmente os seus diversos níveis de realização, incluindo a obtenção das habilitações académicas e técnicas para o exercício da profissão, o ingresso na profissão e o exercício da profissão, pelo que é de entender que o exercício livre da profissão está igualmente inserido no âmbito normativo de proteção do artigo 47.º, n.º 1. Acresce que o conceito de profissão ou género de trabalho cobre não apenas as profissões de conteúdo funcio- nal estatutariamente definido, mas também toda e qualquer atividade não ilícita suscetível de constituir ocupação ou modo de vida, pelo que nenhuma razão existe para excluir a garantia constitucional do artigo 47.º, n.º 1, em relação a certa espécie ou tipo de trabalho (sobre todos estes aspetos, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª edição, Coimbra, págs. 653-655)». Efetivamente, e como afirma Jorge Miranda, «[e]mbora a Constituição não defina profissão ou género de trabalho, o conceito constitucional de profissão relevante para efeitos de delimitação do âmbito de pro- teção do artigo 47.º deve ser recortado com grande amplitude. (…) [N]uma ordem de liberdade assente no respeito pela dignidade da pessoa humana, que reconhece que a realização de uma pessoa também passa pela escolha e pelo exercício de uma atividade profissional – enquanto “meio para a realização condigna de proje- tos pessoais de vida, em harmonia, aliás, com o que dispõe o artigo 26.º” (Acordão n.º 155/09) –, qualquer género de profissão ou trabalho, seja típico ou atípico, permanente, temporário ou sazonal, subordinado ou independente, em exclusividade ou em cumulação, está coberto prima facie pela tutela do artigo 47.º» (Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada , Tomo I, 2.ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2010, pp. 964 e seguintes). Ou, nas palavras de Gomes Canotilho/Vital Moreira: «O conceito de profissão ou de género de tra- balho cobre não apenas as profissões de conteúdo funcional estatutariamente definido, mas também toda e qualquer atividade não ilícita suscetível de constituir ocupação ou modo de vida. (…) O âmbito semân- tico-constitucional do termo não abrange apenas as profissões cujo “perfil” tradicional está juridicamente fixado; mas, também, as atividades profissionais “novas”, “atípicas” e “não habituais”. Corresponde, assim, ao sentido normativo-material de liberdade de profissão o direito de criação de novas profissões e o direito de caracterização intrínseco da atividade profissional» ( Constituição da República Portuguesa Anotada , Vol. I, 4.ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2007, pp. 654 e seguintes). Que o artigo 47.º, n.º 1, da Constituição abrange não apenas a liberdade de escolha da profissão, mas também a de exercício, é igualmente jurisprudência constante deste Tribunal, como se assinalou, aliás, na
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