TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

96 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL um reconhecimento de paternidade e, como mãe, a gestante que deu à luz a criança. Ou seja, não estava em causa a transcrição de um registo em que a filiação estabelecida no estrangeiro respeitasse a “pais sociais” ou “pais intencionais” ( parents d’intention ) – isto é, a pais que, não tendo qualquer relação genética com a criança, pretendem apenas assumir em relação à mesma as correspondentes responsabilidades parentais. Esta última questão foi objeto de quatro decisões da Cour de Cassation , datadas de 5 de julho 2017, no sentido de que, estando em causa uma criança nascida através do recurso a gestação de substituição realizada no estrangeiro, o ato de registo, na parte em que a “mãe social” figure como “mãe” (para efeitos de assunção das responsabilidades parentais), não pode ser transcrito (vide Arrêts n. os 824, 825, 826 e 827). Ou seja, nes- sas circunstâncias, a transcrição é admissível na parte em que é reconhecida a paternidade do pai biológico, já que, no seguimento da jurisprudência de 2015, uma gestação de substituição realizada no estrangeiro, de per si , não constitui obstáculo à transcrição de um registo que reflita a realidade dos factos. Por outro lado, a existência de tal gestação, por si só, também não obsta à adoção da criança pelo cônjuge do respetivo pai. Na verdade, a Lei de 17 de maio de 2013 (casamento entre pessoas do mesmo sexo) tem como efeito permitir, por via da adoção, o estabelecimento de um vínculo de filiação entre uma criança e duas pessoas do mesmo sexo sem qualquer restrição relativa ao modo de procriação. Em suma, a jurisprudência francesa mantém a proibição da gestação de substituição, considerando, no entanto, que a mesma proibição não pode contrariar – nem contraria – o interesse das crianças nascidas com recurso a tal modalidade de procriação que residam em França. 18. A Grécia é, atualmente, o Estado-Membro da União Europeia com uma legislação mais permissiva no que se refere à gestação de substituição. As normas jurídicas relativas a esta prática constam do artigo 1458.º do seu Código Civil (aditado pela Lei da Procriação Medicamente Assistida, de 2002) e do artigo 13.º da Lei n.º 3305/2005 (« Enforcement of Medically Assisted Reproduction »). Permite-se o acesso a casais heterossexuais e a mulheres solteiras, quando a beneficiária não possua capacidade para proceder à gestação ou para realizar o parto, estando excluídos os casais do mesmo sexo. Tanto os beneficiários como a gestante devem ser cidadãos gregos ou residentes na Grécia (artigo 8.º da Lei n.º 3089/2002), requisito que se tem verificado essencial para afastar da Grécia os casos de “turismo repro- dutivo” que têm ocorrido nos países que não consagram uma exigência semelhante (particularmente, os Estados Unidos, a Ucrânia, a Rússia e, até há bem pouco tempo, a Índia). Os contratos onerosos de gestação de substituição são proibidos, havendo sanções penais para quem participe (como parte no contrato ou intermediário) em procedimentos de gestação de substituição que violem o regime legal. Exige-se que a criança seja concebida com o recurso a gâmetas de, pelo menos, um dos membros do casal beneficiário e proíbe-se a substituição genética. Com efeito, o referido artigo 1458.º é claro no sentido de não ser admissível que a criança seja gerada com o recurso a gâmetas da gestante. Este impedimento assume uma importância basilar no regime jurídico grego, na medida em que o mesmo se encontra baseado no princípio de que seria moral, social e juridicamente intolerável obrigar uma mulher a entregar a outra mulher uma criança com a qual partilha uma ligação genética. Por seu turno, a norma já não é tão clara quanto à possibilidade de utilização de gâmetas de um terceiro dador caso um dos beneficiários seja infértil, tendo a doutrina maioritária vindo a considerar que, perante a ausência de uma proibição expressa nesse sentido, se deve admitir essa possibilidade. A realização do procedimento de gestação de substituição está dependente de autorização judicial pré- via, cabendo ao tribunal apreciar o cumprimento dos requisitos legais por parte dos intervenientes e a vali- dade do contrato de gestação. Deste modo, visa-se assegurar a legalidade da realização deste procedimento, só podendo os intervenientes dirigir-se à clínica médica para efetuar o procedimento após a autorização judicial. Em caso de inexistência desta decisão judicial, o procedimento de gestação de substituição não produzirá os

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=