TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
93 acórdão n.º 225/18 Centrando a atenção em ordenamentos jurídicos de Estados-Membros da União Europeia, é possível, no entanto, encontrar exemplos de vários modelos legislativos no que toca à prática da gestação de substituição. 14. Na Alemanha, o recurso à gestação de substituição não é diretamente proibido ou punido. Con- tudo, a censura jurídica em relação a estes contratos resulta inequivocamente de várias disposições previstas no ordenamento jurídico alemão, designadamente da Lei de Proteção de Embriões ( Embryonenschutzgesetz – ESchG , vide, em especial, o § 1, alíneas 1, n.º 7, e 3, n.º 2: punição de quem realize inseminação artificial ou implante um embrião em mulher disposta a entregar permanentemente a criança após o parto a terceiros [– Ersatzmutter –], mas não da gestante nem dos beneficiários), do Código Civil ( Bürgerliches Gesetzbuch – BGB , vide, em especial, os §§ 134 e 138, alínea 1 – nulidade do contrato de gestação de substituição – e 1591 e 1592 – determinação da maternidade com base no facto do nascimento e regras de determinação da paternidade) e da Lei da Adoção ( Adoptionsvermittlungsgesetz – AdVermiG , vide, em especial, os §§ 13c e 14b: respetivamente, proibição da mediação de acordos de gestação e punição criminal dos seus mediadores). Por outro lado, a jurisprudência tem também vindo a decidir no sentido da invalidade deste tipo de contratos. E, tal como hoje é habitual nos ordenamentos jurídicos de matriz romano-germânica, muitos dos processos judiciais respeitam a casos em que os beneficiários recorrem à gestação de substituição em países onde a mesma é permitida e faculta o acesso dos beneficiários ao vínculo de filiação, com vista ao posterior reconhecimento da mesma nos seus países de origem. Uma das decisões mais importantes sobre tal problemática é o acórdão do Bundesgerichtshof, de 10 de dezembro de 2014 (Processo XII ZB 463/13), que, tendo em conta o superior interesse da criança – neste par- ticular seguindo uma orientação perfilhada pelo TEDH – e a ausência de contradição com a ordem pública internacional alemã (nomeadamente por incompatibilidade do reconhecimento com os direitos fundamen- tais), considerou não existirem impedimentos ao reconhecimento efetuado por um tribunal estrangeiro da paternidade jurídica dos beneficiários ( Wunscheltern ) relativamente a uma criança nascida na sequência do recurso a gestação de substituição. Para o efeito, o Bundesgerichtshof entendeu como decisivo o seguinte: «Desde que esteja garantido que o acordo e a execução da gestação de substituição [ Leihmutterschaft ] segundo o direito aplicado pelo tribunal estrangeiro obedeçam a exigências que salvaguardem a voluntariedade da decisão da gestante de suportar a gravidez e de, após o parto, entregar a criança aos pais intencionais, é a disponibilidade da gestante para proceder a tal entrega comparável à de uma adoção. A dignidade humana da gestante não é violada apenas pela circunstância de estar em causa a concretização de uma gestação de substituição […] E o mesmo vale, desde logo, também para a criança, que sem a gestante não teria nascido […]. Caso o tribunal estrangeiro verifi- que a eficácia do acordo de gestação de substituição e o estabelecimento da filiação jurídica relativamente aos pais intencionais no âmbito de um procedimento conforme às exigências próprias de um Estado de direito, tal decisão, na ausência de dados em sentido contrário, oferece a garantia de que a decisão da gestante é livre, assim como da voluntariedade da entrega da criança aos pais intencionais. A situação da gestante após o nascimento da criança é, deste modo, comparável à de uma mãe que consente na adoção do seu filho. […] A dignidade humana da gestante pode, ao invés, ser violada, caso a gestação de substituição seja realizada em circunstâncias que não assegurem a sua colaboração voluntária, ou caso faltem indicações essenciais e completas, quanto à pessoa da gestante, quanto às condições em que esta se dispôs a suportar a gravidez ou quanto ao acordo de gestação […] ou se, na tramitação do processo junto do tribunal estrangeiro, tiverem sido desrespeitadas garan- tias procedimentais fundamentais […].» (Rn. 49-51) Esta decisão abriu aos casais que por qualquer razão não têm filhos a possibilidade de conservarem na Alemanha uma relação de parentalidade jurídica estabelecida no estrangeiro sem recurso ao procedimento de adoção, não obstante a inadmissibilidade nesse país dos contratos de gestação de substituição (no mesmo sentido, vide, por exemplo, o acórdão do Oberlandesgericht Celle, de 22 de maio de 2017, Processo 17 W 8/16,
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