TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

87 acórdão n.º 225/18 B.2. Direito internacional e direito da União Europeia 10. No plano do direito internacional, a gestação de substituição releva tanto para efeito das normas que procuram prevenir a mercantilização do corpo humano ou de partes dele, como das normas respeitantes à defesa dos direitos da criança. Por outro lado, também não pode ignorar-se o entendimento do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (“TEDH”) quanto ao artigo 8.º (direito ao respeito da vida privada e familiar) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (“CEDH”). Relativamente ao primeiro aspeto, importará considerar, desde logo, o artigo 21.º (Proibição da obten- ção de lucros) da Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina (“Convenção de Oviedo”), apro- vada em 1997, no âmbito do Conselho da Europa (cfr. a Resolução da Assembleia da República n.º 1/2001, de 3 de janeiro, e o Decreto do Presidente da República n.º 1/2001, da mesma data): «O corpo humano e as suas partes não devem ser, enquanto tal, fonte de quaisquer lucros.» Este princípio encontra-se alinhado com o que prevê a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos, adotada pela Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educa- ção, Ciência e Cultura (“UNESCO”) na sua 29.ª sessão, a 11 de novembro de 1997 (cfr. o respetivo artigo 4.º: o «genoma humano no seu estado natural não deverá dar origem a benefícios pecuniários»). No mesmo sentido, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (“CDFUE”) estabelece no seu artigo 3.º, n.º 2, alínea c) , que, no domínio da medicina e da biologia, deve ser respeitada «a proibição de transformar o corpo humano ou as suas partes, enquanto tais, numa fonte de lucro». Na ponderação das questões colocadas pelo recurso à gestação de substituição deve ainda ser tida em conta a Convenção sobre os Direitos da Criança, (cfr. a Resolução da Assembleia da República n.º 20/90, de 12 de setembro, e o Decreto do Presidente da República n.º 49/90, da mesma data). O respetivo artigo 3.º, n.º 1, consagra o primado do interesse da criança como critério axiológico-prático de quaisquer decisões relativas a crianças: «Todas as decisões relativas a crianças, adotadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.» O artigo 7.º, n.º 1, da mesma Convenção consagra o direito da criança a ser registada imediatamente após o nascimento e, «desde o nascimento, o direito a um nome, o direito a adquirir uma nacionalidade e, sempre que possível, o direito de conhecer os seus pais e de ser educada por eles». Por sua vez, o artigo 9.º, n.º 1, primeira frase, prevê que os «Estados Partes garantem que a criança não é separada de seus pais contra a vontade destes, salvo se as autoridades competentes decidirem, sem prejuízo de revisão judicial e de harmo- nia com a legislação e o processo aplicáveis, que essa separação é necessária no interesse superior da criança». A nível europeu, ainda no tocante aos direitos da criança, cumpre destacar a Convenção Europeia sobre o Exercício dos Direitos das Crianças, adotada em Estrasburgo, em 25 de janeiro de 1996 (cfr. a Resolução da Assembleia da República n.º 7/2014, de 27 de janeiro, e o Decreto do Presidente da República n.º 3/2014, da mesma data), que, segundo o seu artigo 1.º, n.º 2, «tendo em vista o superior interesse das crianças, visa promover os seus direitos, conceder-lhes direitos processuais e facilitar o exercício desses mesmos direitos, garantindo que elas podem ser informadas, diretamente ou através de outras pessoas ou entidades, e que estão autorizadas a participar em processos perante autoridades judiciais que lhes digam respeito». E, sobre- tudo, o artigo 24.º (Direitos das crianças) da CDFUE: «[t]odos os atos relativos às crianças, quer praticados por entidades públicas, quer por instituições privadas, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança» (n.º 2); e «[t]odas as crianças têm o direito de manter regularmente relações pessoais e contactos diretos com ambos os progenitores, exceto se isso for contrário aos seus interesses» (n.º 3).

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