TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

86 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 9. O regime jurídico da LPMA que disciplina a gestação de substituição lícita inclui outros aspetos que, em conjugação com o que já foi referido em relação ao consentimento da gestante e dos beneficiários, permitem recortar e autonomizar, por referência às regras de direito internacional e às soluções de direito comparado, um certo modelo ou conceito de gestação de substituição que o legislador português quis admi- tir, com exclusão de modelos ou conceitos alternativos. Em primeiro lugar, a gestação de substituição continua a ser uma solução excecional e, como tal, sujeita a autorização prévia, para situações muito específicas de infertilidade (a «celebração de negócios jurídicos de gestação de substituição só é possível a título excecional […] nos casos de ausência de útero, de lesão ou de doença deste órgão que impeça de forma absoluta e definitiva a gravidez da mulher ou em situações clínicas que o justifiquem» – n.º 2 do artigo 8.º – devendo tais contratos ser precedidos de autorização – n. os 3 e 4 do mesmo artigo). Além disso, e como já referido, verificando-se o nascimento de uma criança na sequência da execução de um contrato de gestação de substituição eficaz, a lei determina o afastamento do critério geral de estabelecimento da filiação previsto no artigo 1796.º, n.º 1, do Código Civil, seja em relação à mãe, seja em relação ao pai, passando a mesma criança a ser tida como filha de quem figura como beneficiário no dito contrato (artigo 8.º, n.º 7). Em segundo lugar, só são admissíveis acordos de gestação de substituição de natureza gratuita (vide, de novo, o citado n.º 2 do artigo 8.º: a «celebração de negócios jurídicos de gestação de substituição só é possível […] com natureza gratuita»). Isto mesmo se confirma no artigo 8.º, n.º 5, que afirma ser «proibido qualquer tipo de pagamento ou a doação de qualquer bem ou quantia dos beneficiários à gestante de substituição pela gestação da criança, exceto o valor correspondente às despesas decorrentes do acompanhamento de saúde efetivamente prestado». Por outro lado, e como reforço da garantia da liberdade das partes, em especial da gestante, a lei exige a inexistência de relações de subordinação económica entre elas: «[n]ão é permitida a celebração de negócios jurídicos de gestação de substituição quando existir uma relação de subordinação económica, nomeada- mente de natureza laboral ou de prestação de serviços, entre as partes envolvidas» (artigo 8.º, n.º 6). A lei acautela a existência de uma ligação genética com pelo menos um dos beneficiários, nos termos do artigo 8.º, n.º 3, exigindo o recurso a gâmetas de, pelo menos, um deles. Acresce que a lei exclui em absoluto a substituição genética: «a gestante de substituição [não pode], em caso algum, ser a dadora de qualquer ovócito usado no concreto procedimento em que é participante» (vide ibidem ). Por fim, o contrato deve ser celebrado por escrito (artigo 8.º, n.º 10), e a necessária autorização prévia é da competência do CNPMA, antecedida da audição da Ordem dos Médicos (artigo 8.º, n.º 4). Todavia, a lei não estabelece quaisquer cláusulas obrigatórias que devam constar do referido contrato, limitando-se a prever que do mesmo contrato «devem constar obrigatoriamente, em conformidade com a legislação em vigor, as disposições a observar em caso de ocorrência de malformações ou doenças fetais e em caso de eventual interrup- ção voluntária da gravidez » e que o «contrato [...] não pode impor restrições de comportamentos à gestante de substituição, nem impor normas que atentem contra os seus direitos, liberdade e dignidade » (cfr., respetivamente, os n. os 10 e 11 do artigo 8.º; itálicos aditados).  Estes traços essenciais do regime jurídico-positivo devem ser tomados em consideração na ponderação de valores a levar a cabo no presente caso e permitem, desde logo, traçar um perfil da gestação de substitui- ção lícita no ordenamento português, enquanto instituto jurídico ou figura jurídica a se : a mesma reveste caráter subsidiário e excecional, assume uma natureza meramente gestacional, pressupõe o consentimento autónomo dos interessados destinado a garantir a sua voluntariedade e tem de ser formalizada por via de um contrato a título gratuito, previamente autorizado, encontrando-se tal competência autorizativa atribuída ao CNPMA. E é este o perfil do que pode designar-se por modelo português de gestação de substituição, a considerar para uma apreciação da inadmissibilidade constitucional de princípio da figura ou instituto jurí- dico, isto é, independentemente de aspetos particulares do seu regime, como a sustentada pelos requerentes no seu pedido de fiscalização.

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