TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

84 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL técnicas de PMA, sendo por isso mesmo perspetivada por alguns como (simples) «variante da fecundação heteróloga aplicada à mulher» (assim, vide Vincenzo Scalasi, “Maternità surrogata: come far cose com regole” in Scritti in Onore di Giovanni Furgiuele, t. II, Universitas Studiorum, Mantova, 2017, pp. 219 e seguintes, pp. 219-220). Embora sujeita a uma técnica de PMA, a gestante não é, todavia, considerada beneficiária da mesma, já que a gravidez visada, uma vez concretizada, será suportada por conta de outrem, no sentido de que as responsabilidades parentais relativamente à criança que vier a nascer não serão assumidas por si, mas pelos terceiros com quem previamente contratou. Por ser assim, não lhe pode ser aplicado o critério de maternidade previsto para as beneficiárias de técnicas de PMA, o qual, devido ao disposto no artigo 10.º, n.º 2, da LPMA, acaba por se reconduzir ao facto do nascimento, ou seja, ao parto (cfr. o artigo 1796.º, n.º 1, do Código Civil; note-se que o disposto no n.º 1 do artigo 20.º da LPMA se aplica apenas ao compa- nheiro – homem ou mulher – da mulher submetida a técnica de PMA, em contexto de casal, e que o n.º 3 do mesmo preceito pressupõe a aplicação à mulher submetida a PMA, fora do contexto de casal, do mencionado critério do Código Civil). Isto significa que a referência à renúncia aos poderes e deveres próprios da maternidade contida na parte final do n.º 1 do artigo 8.º da LPMA é, pelo menos, ambígua: não se pode renunciar a posições jurídicas de que se não é – nem se poderá vir a ser, de acordo com o disposto no n.º 7 do mesmo preceito – titular. Aliás, a gestante (e, bem assim, os beneficiários) consente e acorda na gestação de substituição, desde logo, porque pretende que a filiação da criança que venha a nascer – e, consequentemente, também as correspondentes responsabilidades parentais a assumir – seja estabelecida em relação à parte contratante, isto é, aos benefi- ciários a que se reporta o artigo 8.º da LPMA, e não a si própria. Pela sua própria razão de ser, a gestação de substituição não visa concretizar um projeto parental próprio da gestante, mas sim dos beneficiários. No entanto, e por outro lado, a gestação de substituição só é lícita desde que aceite por ambas as partes, com observância dos requisitos, positivos e negativos, previstos na lei. E entre estes, importa relevar o con- sentimento das partes destinado a garantir que a sua participação em todo o processo é realmente voluntária. Em vista disso, e independentemente do momento em que seja prestado e da forma que revista, tal consen- timento é um pressuposto essencial do próprio contrato, que dele se autonomiza em termos funcionais e obedece a um regime próprio. Com efeito, à validade e eficácia do mesmo é aplicável, « com as devidas adaptações, o disposto no artigo 14.º» da LPMA (cfr. o respetivo artigo 8.º, n.º 8; itálico adicionado). E, porque a gestante não é beneficiária da gestação de substituição, o artigo 14.º, n.º 5, confirma que ao seu consentimento também é aplicável o disposto nesse mesmo artigo, mutatis mutandis , como não pode deixar de ser. Assim, e desde logo, a gestante de substituição: – Tem de ser previamente informada, por escrito, de todos os benefícios e riscos conhecidos resul- tantes da utilização das técnicas de PMA, bem como das suas implicações éticas, sociais e jurídicas (artigo 14.º, n.º 2); – Tem de prestar o seu consentimento, livre e esclarecido, de forma expressa e por escrito, perante o médico responsável, pelo menos no que respeita às técnicas de PMA a utilizar (artigo 14.º, n.º 1); – Tem de ser previamente informada, por escrito, do «significado da influência da gestante de substi- tuição no desenvolvimento embrionário e fetal» (artigo 14.º, n.º 6); – Pode – só pode – revogar livremente o seu consentimento «até ao início dos processos terapêuticos de PMA» (artigo 14.º, n.º 4). Do mesmo modo, os direitos previstos no artigo 12.º da LPMA são aplicáveis, também com as devidas adaptações, mas independentemente do contrato que entre si tenham celebrado ou venham a celebrar, aos beneficiários e à gestante de substituição (cfr. o artigo 8.º, n.º 9, daquela Lei). Resulta, em todo o caso, claramente do citado artigo 14.º, n.º 6, que o consentimento da gestante e dos beneficiários no âmbito da gestação de substituição é muito mais complexo e abrangente do que aquele que é exigido aos beneficiários no âmbito da utilização das técnicas de PMA.

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