TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

83 acórdão n.º 225/18 Os avanços da medicina devem ser colocados ao serviço das pessoas, da sua realização pessoal e da sua felici- dade. A lei da PMA deve incluir e consagrar uma ética orientada para a felicidade pessoal, definida pelo próprio em função dos seus valores e critérios, sobretudo quando estão em causa escolhas e opções que envolvem, afetam e constroem a individualidade e a intimidade de cada um. A lei e a sociedade não devem impor figurinos ou modos de vida, ao contrário, devem acolher a pluralidade das formas de pensar e viver a maternidade, promovendo uma cultura de aceitação e respeito pela diferença e pelas opções de cada um» (itálico aditado). Segundo a definição legal do artigo 8.º, n.º 1, da LPMA – que, como mencionado, também é relevante para a delimitação do tipo objetivo da incriminação prevista no artigo 39.º do mesmo diploma –, a gestação de substituição envolve um acordo – o contrato de gestação de substituição – entre a gestante e quem pre- tende assumir as responsabilidades parentais relativamente à criança que vier a nascer – por simplificação, os beneficiários (por vezes também referidos, em especial noutras ordens jurídicas ou na doutrina, como “pais intencionais”, “pais jurídicos” ou “pais sociais”). Note-se, em todo o caso, que a utilização do plural no presente acórdão – “beneficiários” – não deve ser entendida como uma tomada de posição do Tribunal relativamente à questão de saber se todos os “benefi- ciários” referidos no artigo 6.º, n.º 1, da LPMA são igualmente “beneficiários” para efeitos do disposto no artigo 8.º e preceitos com ele conexionados, como por exemplo, os artigos 14.º, n.º 6, 16.º, n.º 1, ou 30.º, n.º 2, alínea p) (cfr. no sentido de que somente casais, heterossexuais ou de mulheres, mencionados no citado artigo 6.º, n.º 1, podem ser beneficiários da gestação de substituição, a referida Deliberação do CNPMA n.º 20-II/2017, de 20 de outubro de 2017). No âmbito do citado acordo, a gestante aceita: (i) engravidar no interesse dos beneficiários e levar a gra- videz até ao fim; e (ii) depois do parto, entregar a criança nascida aos beneficiários, «renunciando aos pode- res e deveres da maternidade». Esta renúncia justifica-se e tem sentido para a caracterização da figura num quadro normativo em que a mesma é proibida e a filiação relativamente à mãe resulta, nos termos gerais, do facto do nascimento (cfr. o artigo 1796.º, n.º 1, do Código Civil). A redação originária do artigo 8.º, n.º 3, da LPMA confirmava isso mesmo – a ineficácia total do contrato de gestação de substituição consequente da nulidade estatuída no n.º 1 do mesmo preceito: «[a] mulher que suportar uma gravidez de substituição de outrem é havida para todos os efeitos legais, como mãe da criança que vier a nascer». Contudo, as alterações à LPMA introduzidas pela Lei n.º 25/2016 visaram, justamente, modificar tal quadro, permitindo em determinadas circunstâncias a gestação de substituição. Nessas circunstâncias, o contrato de gestação de substituição, desde que autorizado pela entidade administrativa competente, é lícito e, por isso mesmo, eficaz. Mas uma das condições de possibilidade da eficácia intencionada pelas partes é um critério de estabelecimento da maternidade que, diferentemente do critério geral, não se funde no nascimento. Por isso o artigo 8.º, n.º 7, da LPMA veio dispor que a «criança que nascer através do recurso à gestação de substituição é tida como filha dos respetivos beneficiários». Ou seja, e por confronto com a anterior redação do n.º 3 do mesmo preceito: verificando-se o nascimento de uma criança na sequência da execução de um contrato de gestação de substituição eficaz, a lei determina o afastamento do critério geral de estabelecimento da filiação, seja em relação à mãe, seja em relação ao pai, passando a mesma criança a ser tida como filha de quem figura como beneficiário no dito contrato. No novo quadro normativo, a gestação de substituição fundada num contrato devidamente autorizado, válido e eficaz determina que a gestante assuma as seguintes obrigações essenciais: – Submeter-se a uma técnica de PMA; – Suportar a gravidez por conta dos beneficiários até ao fim e dar à luz a criança; – Entregar a criança nascida aos beneficiários. Independentemente de a substituição meramente gestacional se processar com recurso a ovócitos da “mãe intencional” ou de uma terceira dadora, aquela implica, relativamente à gestante, a utilização de

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