TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
82 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Deputados do Partido Socialista (PL n.º 131/XII), e o outro por Deputados do Partido Social Democrata (PL n.º 138/XII), que também versavam a “maternidade de substituição” –, depois de se reconhecer que «a semântica escolhida nunca é indiferente em Bioética», observou-se a propósito: «[A] expressão “maternidade de substituição”, apesar de muito divulgada e de vir consagrada na nossa lei e nos dois projetos de lei em apreciação, pode ser indiciadora de equívocos e ambiguidades éticas e antropológicas, por supor tacitamente aceite a fragmentação da maternidade biológica (genética e uterina), social e jurídica. O CNECV optou pela expressão gestação de substituição e gestante de substituição, que traduzem as reali- dades objetivas que medeiam o processo que pode decorrer entre a transferência/implantação uterina do embrião humano e eventual parto no fim da gravidez evolutiva.» A verdade, porém, é que esta opção não é ela própria incontroversa (sobre a discussão terminológica, vide, por exemplo, as referências feitas por Estrela Chaby, “Direito de constituir família, filiação e adoção – Notas à luz da jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem” in Estudos em Homenagem ao Conselheiro Presidente Rui Moura Ramos , vol. II, Almedina, Coimbra, 2016, pp. 329 e seguintes, p. 349, nota 70). Contudo, apesar das diferenças terminológicas, verifica-se uma continuidade ao nível da noção legal: a «maternidade de substituição», antes prevista no artigo 8.º, n.º 2, da LPMA, na sua redação originária, corresponde à «gestação de substituição» agora consagrada no n.º 1 do mesmo preceito, com a redação dada pela Lei n.º 25/2016. Trata-se de uma noção ampla (correspondente à proposta por Guilherme de Oliveira, Mãe há só Uma Duas! O Contrato de Gestação, Coimbra Editora, Coimbra, 1992, pp. 8-9) – que, desde logo, não prescinde da vontade da própria gestante, uma vez que é esta que se dispõe e que renuncia – destinada a cobrir as diferentes modalidades de substituição gestacional, a proibida (substituição genética, em que, na conceção por ato sexual ou mediante a utilização de técnicas de PMA, a gestante contribui com os seus ovócitos) e aquela que é permitida, a título excecional (substituição meramente gestacional, que implica que a gestante se submeta a técnicas de PMA sem contribuir com os seus ovócitos para a formação do embrião). Simplesmente, na consideração da aludida continuidade, não pode perder-se de vista a alteração do paradigma entretanto verificada no tocante à PMA (cfr. os artigos 4.º, n.º 3, e 6.º, n.º 1, in fine , ambos da LPMA), alteração essa que pode ter repercussões na perceção e, ou, porventura, na compreensão, da própria gestação de substituição, uma vez que esta pressupõe o recurso àquela. Como assinala o CNECV no seu Parecer n.º 87/CNECV/2016, verifica-se «uma mudança do paradigma da utilização das técnicas de PMA, centrando as questões numa realidade: que a beneficiária das técnicas é a mulher, independentemente do facto de estar ou não acompanhada por um/a parceiro/a. Nesta medida, as alterações previstas para a Lei n.º 32/2006, de 26 de junho, não implicam um verdadeiro alargamento dos beneficiários das técnicas da PMA, antes constituem o reconhecimento legal de que a beneficiária das técnicas é aquela em quem as técnicas são potencialmente aplicadas, ou seja, a mulher» (vide loc. cit ., III.4., p. 11; itálico aditado). A justificação de tal mudança, enunciada nos projetos de lei que estiveram na origem da Lei n.º 17/2016, é a «t utela da liberdade e autonomia da mulher que quer ser mãe e em quem irão ser aplicadas as técnicas de PMA» ( ibidem ; itálico aditado). Nesse sentido, podia ler-se no Projeto de Lei n.º 122/XII, apresentado pelo Bloco de Esquerda em 2012, e parcialmente reproduzido no seu Projeto de 2016 (Projeto de Lei n.º 36/XIII, que desencadeou o procedimento legislativo referente à Lei n.º 25/2016): «[Não se descortina uma razão válida que justifique o] impedimento de uma mulher recorrer à PMA, em função da sua situação pessoal, estado civil, condição clínica ou orientação sexual. Uma mulher sozinha – seja qual for a sua orientação sexual – ou uma mulher casada com outra mulher, sejam férteis ou inférteis, devem poder concretizar o desejo de ser mães sem que para isso sejam obrigadas a uma relação que não desejam, a uma relação que contraria a sua identidade e agride a sua personalidade. […]
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