TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
776 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Tenha-se, porém, presente que a verificação desses requisitos de democraticidade interna dos partidos políticos não se esgota nem corresponde a um modelo único de controlo, cabendo ao legislador democrático, no respeito pela Constituição, a respetiva definição. Como escreve Miguel Prata Roque (“O Controlo Jurisdicional da Democraticidade Interna dos Parti- dos Políticos – O Tribunal Constitucional entre o Princípio da Intervenção Mínima e um Contencioso de Plena Jurisdição”, in Tribunal Constitucional – 35.º Aniversário da Constituição de 1976 , Volume II, Coimbra Editora, 2012, pp. 295-297): «O respeito pela democraticidade interna dos partidos políticos tanto pode ser assegurado através de ummodelo de “auto-controlo” (ou de controlo interno), mediante a fixação de mecanismos internos aos próprios partidos políticos, como através de um modelo de “hetero-controlo” (ou de controlo externo), seja este último de matriz administrativa ou de matriz jurisdicional. Sem margem para dúvidas, o ordenamento jurídico português acolhe um “modelo jurisdicionalizado misto”, que tanto pressupõe um “auto-controlo” como um “hetero-controlo”. (…) A opção por um “modelo jurisdicionalizado misto” de controlo da democraticidade interna dos partidos veio, precisamente, responder a algumas dúvidas quanto à compatibilidade de um modelo exclusivo e ampliativo de “hetero-controlo” com a liberdade de auto-organização interna dos partidos políticos. É que não pode descurar-se que os partidos políticos são, antes de mais, pessoas coletivas de tipo associativo, constituídas de acordo com o Direito Privado. (…) Mas não é menos verdade que os partidos políticos assumem funções constitucionais imprescindíveis – e, em alguns casos, insubstituíveis – na medida em que a Lei Fundamental os encarregou diretamente de concorrerem para a organização e expressão da vontade política democrática. Torna-se, como tal, recorrente afirmar que os par- tidos políticos são qualificáveis como pessoas coletivas de tipo associativo que, ainda que constituídas ao abrigo do Direito Privado, prosseguem funções constitucionais (…)». A intervenção fiscalizadora cometida pela Constituição e pela lei ao Tribunal Constitucional é pautada, todavia, pela necessária conciliação da liberdade de associação (e auto-organização) que informa a criação e existência dos partidos políticos com os limites à autonomia partidária que decorrem da ordem constitucional. Deste modo, a jurisprudência constitucional tem sublinhado a conformação da atuação do Tribunal Constitucional no controlo dos partidos políticos a um princípio de contenção (refletido, designadamente, no reconhecimento do papel subsidiário do Tribunal Constitucional relativamente ao controlo interno exer- cido ao nível dos competentes órgãos partidários), de que decorre a afirmação, tantas vezes reiterada, do princípio da intervenção mínima que pauta o controlo jurisdicional exercido por este Tribunal. Assim, no Acórdão n.º 497/10: «5. Determina a LTC que a impugnação, perante o Tribunal Constitucional, de eleições de titulares de órgãos de partidos políticos só seja admissível depois de esgotados todos os meios internos previstos nos estatutos para apreciação da validade e regularidade do acto eleitoral. A razão por que o faz encontra-se no estatuto constitucional dos partidos políticos. Não obstante concorrerem para a organização e para a expressão da vontade popular (artigo 10.º, n.º 2 da CRP), e deterem por isso funções e competências relevantes no domínio da organização do poder político (artigos 114.º; 151.º, n.º 1; 180.º da CRP), os partidos políticos são, na sua raiz, expressão do exercício da liberdade de associação. Nesses termos, e conforme o reconhece a Constituição nos artigos 51.º e 46.º, gozam, na ordenação da sua vida interna, da autonomia própria que é conferida às associações. É certo que tal autonomia conhece sempre limites, impostos pela ordem constitucional no seu conjunto. Para além daqueles que valem, em geral, para todas as associações, são aplicáveis à ordenação da vida interna dos partidos, pelas funções políticas que constitucionalmente são conferidos a estes últimos, não apenas os limites decorrentes do necessário respeito pelos princípios da independência nacional, da unidade do Estado e da democracia política (n.º 2 do artigo 10.º), mas ainda os decorrentes dos princípios da transparência, da organização e da gestão democrática e da partici- pação de todos os seus membros (n.º 5 do artigo 51.º). É em razão destes limites, que conformam, por força da
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