TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
76 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL apenas salvaguardar os direitos das pessoas que mais diretamente poderão estar em causa por efeito de aplicação das técnicas de PMA, mas também as pessoas nascidas na sequência da aplicação das técnicas de PMA. No contexto da presente lei, pois, é meridianamente evidente que, em nome de um direito a constituir família e de um direito à intimidade da vida privada e familiar, não só assistimos à coisificação da mãe de substituição mas, também, constatamos que a criança que vier a nascer é tratada como um produto, ou seja, um produto final que pode acabar por ser rejeitado por todos ou, pelo contrário, querido por todos. Em qualquer dos casos, é algo que contraria frontalmente a tutela jurídico-constitucional consagrada do valor da dignidade da pessoa humana. Cabe aqui referir Emanuel Kant: “ Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outra, sempre e simultaneamente como um fim e nunca simplesmente como um meio. (...) No reino dos fins, tudo tem um preço e uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dele qualquer outro como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço e, portanto, não permite equivalente, então tem ela dignidade ”. Em última análise, e não podendo ignorar as profundas lacunas que o regime encerra, a maior prejudicada é, de facto, a criança. Assim sendo, não nos resta senão concluir que, para além da violação do princípio constitucional da proteção da dignidade da pessoa humana, das disposições em evidência resulta também uma violação do dever do Estado de proteger as crianças, com vista ao seu saudável e integral desenvolvimento, previsto no art.º 69.º/1 da CRP. Por último, dão-se por reproduzidas as considerações anteriores sobre o artigo 15.º, n.º 1, da Lei n.º 32/2006, de 26 de julho, que prevê o sigilo absoluto de todos os envolvidos, nada se prevendo, mesmo que a título de exceção, sobre a possibilidade de se vir a conhecer a identidade da gestante de substituição, à semelhança, aliás, do previsto para os dadores (artigo 15.º, n.º 4).» A final, os requerentes sintetizam as razões fundamentais do pedido de fiscalização abstrata sucessiva que formulam: «Nestes termos, consideram os signatários que a considerável abertura à inseminação heteróloga com sémen de dadores, que é levada a cabo pela nova redação dos artigos 10.º e 19.º da Lei da PMA, quando interpretada em conjunto com a norma do artigo 15.º da mesma Lei, que condiciona a obtenção de conhecimento sobre a identidade do dador – por parte de pessoa nascida de PMA – à instauração de processo judicial e à existência de razões ponderosas para a quebra do regime de confidencialidade, têm potencial para violar o princípio do respeito pela dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1.º e artigo 67.º, n.º 2, alínea e) da Constituição da República Portuguesa; o princípio da igualdade, previsto no art.º 13.º da Constituição da República Portuguesa; o princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa; e, bem assim, o conteúdo fundamental do direito è identidade pessoal e ao livre desenvolvimento da personalidade, previstos no artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e o direito à identidade genética previsto no n.º 3 dessa mesma disposição constitucional. Pelas mesmas exatas razões, consideram os signatários que a nova redação do artigo 20.º, n.º 3, da Lei da PMA, na parte em que dispensa a instauração da averiguação oficiosa da paternidade quando apenas houve lugar ao consentimento da pessoa sujeita a PMA, violam igualmente as referidas disposições da Constituição da República Portuguesa. Consideram ainda os requerentes que a nova redação do artigo 8.º, bem como toda a regulamentação da ges- tação de substituição que no mesmo é vertida, não salvaguarda adequadamente os direitos da criança e da mulher gestante, admitindo que a mesma é suscetível de violar o princípio do respeito pela dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1.º e artigo 67.º, n.º 2, alínea e) da Constituição da República Portuguesa; o princípio da pro- porcionalidade, previsto no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa; do direito à proteção da infância por parte do Estado, previsto no artigo 69.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa; e, bem assim,
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