TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

745 acórdão n.º 223/18 «A recorrente não se conforma com a interpretação aí plasmada, segundo a qual o diferimento da desocupação do imóvel arrendado para habitação, consignada no art.º 864, não poderá ser reconhecida a detentores do imóvel relativamente aos quais se verifiquem razões sociais imperiosas. (…) Considera a recorrente que tais entendimentos violam de forma ostensiva o direito à habitação e o direito ao cesso aos tribunais previstos nos art.º 65.º e 20 da CRP». Na decisão recorrida, aplicou-se esta dimensão normativa conforme resulta do conteúdo da mesma e do seu sumário, nos excertos que se passam a transcrever: «Nestes termos, reconhecendo embora com o maior respeito que a condição da requerente até pudesse preen- cher o conceito de razões sociais imperiosas, não lhe assiste o direito que pretende ver-lhe reconhecido ao diferi- mento da desocupação, já que não detém a qualidade de insolvente ou arrendatária, a quem o legislador entendeu conferir, de forma exclusiva e nos estreitos termos definidos pelas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 864.º, a tutela legal». No mesmo sentido, no ponto IV do Sumário do Acórdão recorrido, pode ler-se o seguinte: «Não detendo a qualidade de insolventes ou arrendatários, a quem o legislador entendeu conferir, de forma exclusiva e nos estreitos termos definidos pelas als. A) e b) do n.º 1 do art.º 864.º, a tutela legal, não é de reconhecer aos meros detentores do imóvel vendido, ainda que relativamente a eles se verifiquem “razões sociais imperiosas” e cumpram algum dos critérios previstos nas referidas alíneas, o direito ao diferimento da desocupação». O tribunal recorrido conheceu a questão de constitucionalidade desta interpretação ou dimensão nor- mativa, entendendo que a mesma não violava o artigo 65.º da CRP: «Por outro lado, não se questiona que o direito à habitação goza de justificada tutela constitucional – cf. art.º 65.º da CRP, que proclama, no seu artigo 1 que “Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e familiar”. Todavia, assegurar tal direito fundamental de natureza social é incumbência do Estado, não de particulares (cf. n. os 2, 3 e 4 do preceito), pelo que se afigura conforme à lei fundamental a opção legislativa no sentido de limitar a tutela geral ao arrendatário e insolvente e desde que verificados determinados pressupostos condicionantes». O recurso de constitucionalidade, de facto, não está concebido pela lei nem pela Constituição como um recurso de amparo, mas, na história do Tribunal Constitucional, já foram admitidos, em questões fiscais e de direito penal, que envolvem arguidos mediáticos, recursos que a doutrina classificou de «quase-amparo» (Vítal Moreira, «A fiscalização concreta no quadro do sistema misto de justiça constitucional», Boletim da Faculdade de Direito, Volume Comemorativo, Coimbra, 2003, p. 846). A jurisprudência do Tribunal Cons- titucional devia refletir, de forma sistematizada, sobre esta questão, de forma a alargar o acesso à justiça constitucional de cidadão vulneráveis, para que o Tribunal Constitucional melhor cumprisse a sua finalidade de tutela dos direitos fundamentais e aproximação da justiça constitucional aos cidadãos, atenuando, assim, a desigualdade no acesso ao Tribunal Constitucional, decorrente da notoriedade e do poder económico dos recorrentes, tal como refere Paulo Mota Pinto («Reflexões sobre jurisdição constitucional e direitos funda- mentais nos 30 anos da Constituição da República Portuguesa», in Themis , 2006, p. 214). 2. O Acórdão que fez vencimento considerou ainda, que, nas alegações de recurso, a questão não foi suscitada em moldes processualmente adequados, de forma a ser vinculativo para o tribunal recorrido o seu conhecimento e decisão.

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