TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

743 acórdão n.º 223/18 «Ora, a recorrente não se conforma com tal entendimento [– o do despacho objeto de apelação e segundo o qual a recorrente, embora ocupe o imóvel, não tem a qualidade de arrendatária nem é executada nos autos e, como tal, não tem ius –], desde logo, porque o disposto no art.º 864.º do CPC, não pressupõe a existência de um contrato de arrendamento, nem a sua regularidade formal, mas simplesmente a determinar que, com as devidas adaptações, se deve seguir aquele regime, numa perspetiva de salvaguarda do mínimo de dignidade humana, permitindo ao ocupante do imóvel, usar de um prazo de diferimento da desocupação da casa de habitação, tendo designadamente em vista manter as condições de habitação enquanto o necessitado, num prazo definido de acordo com o prudente arbítrio do Tribunal, mediante a verificação de requisitos legalmente estabelecidos, procura novo espaço habita- cional. […] Assim, por razões ligadas à salvaguarda de direitos fundamentais de ordem social e familiar (o direito à habi- tação – art. 65º da Constituição da República), como forma de garantir o mínimo indispensável à satisfação das necessidades básicas da pessoa humana e a da sua família, deverá ser concedido o prazo requerido para a desocu- pação do imóvel. […] Estabelece o art.º 864.º do CPC que [– segue transcrição do preceito –…] O regime em causa, com as devidas adaptações, deve ser seguido e aplicado no presente caso, numa perspetiva de salvaguarda do mínimo de dignidade humana, permitindo ao ocupante do imóvel, usar de um prazo de dife- rimento da desocupação da casa de habitação, tendo designadamente em vista manter as condições de habitação enquanto o necessitado e o respetivo agregado, num prazo definido com o prudente arbítrio do tribunal, mediante a verificação de requisitos legalmente estabelecidos, procura novo espaço habitacional. […] Face ao exposto, e em virtude de todo o cenário desolador do ponto de vista económico e social descrito nas presentes alegações, salvo o devido e merecido respeito, está de todo justificado o diferimento da desocupação do imóvel em causa, tendo assim decidido erroneamente o tribunal a quo ao não atender ao pedido apresentado pela Recorrente.» (itálicos aditados) Coerentemente, a recorrente, ora reclamante, na mesma peça processual, formulou as seguintes conclu- sões (fls. 97-99): «I – O douto despacho recorrido que julgou improcedente o incidente de diferimento da desocupação e, em consequência, não atendeu ao pedido formulado pela Recorrente no mencionado incidente, não aplicou corretamente o direito. II – O disposto no art.º 864.º do CPC, não pressupõe a existência de um contrato de arrendamento, nem a sua regularidade formal, mas simplesmente a determinar que, com as devidas adaptações, que se deve seguir aquele regime, numa perspetiva de salvaguarda do mínimo de dignidade humana, permitindo ao ocupante do imóvel, usar de um prazo de diferimento da desocupação da casa de habitação. […] VII – A Recorrente é titular de um interesse jurídico relevante que poderá ser afetado em função da entrega imediata do imóvel, resultando assim verificadas as condições para a decisão favorável ao pedido de diferimento de desocupação formulado pela recorrente, pelo período de 6 meses, tempo necessário para que a mesma encon- tre, com ajuda social, uma habitação condigna. VIII – O douto despacho recorrido viola o disposto nos arts. 615.º n 1 al. d) , 864º e 855, todos do CPC, bem como o art. 20º da CRP, não se pronunciando sobre o pedido efetuado pela Recorrente e sobre a prova apresentada e não atribuindo à mesma o benefício de diferimento de desocupação de imóvel que teria direito face à veri- ficação dos requisitos exigidos por lei para o efeito, tendo feito uma inadequada aplicação do direito à situação em concreto .» (itálicos aditados)    Estas transcrições demonstram, sem margem para dúvida, que nas alegações do recurso de apelação a recorrente ora reclamante se limitou a discutir a melhor interpretação do direito infraconstitucional, nomea- damente do artigo 864.º do CPC, tendo em conta as circunstâncias específicas do seu caso concreto, não

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