TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018

741 acórdão n.º 223/18 Segundo o despacho reclamado, todavia, a recorrente não suscitou em termos processualmente adequa- dos a inconstitucionalidade de tal norma (fls. 123). Cumpre apreciar. 8.2.1. O recurso de constitucionalidade português é, em qualquer uma das suas modalidades, exclusiva- mente normativo: o Tribunal Constitucional aprecia – e aprecia apenas – a validade constitucional dos cri- térios decisórios normativos mobilizados nas decisões proferidas pelos restantes tribunais, não detendo com- petência para, de qualquer outro modo, sindicar tais atos. Assim, designadamente, não lhe compete apreciar a validade das decisões judiciais no que se reporta à eventual violação de preceitos infraconstitucionais ou à eventual incorreção da interpretação e aplicação desses mesmos preceitos; o Tribunal Constitucional limita- -se a apreciar a validade de tais critérios normativos – devidamente destacados da decisão concreta – face ao bloco de constitucionalidade relevante. Com efeito, no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade, a intervenção do Tribunal Cons- titucional ocorre em via de recurso, pressupondo uma prévia decisão sobre a questão da inconstituciona- lidade por parte do tribunal recorrido. Tal justifica-se atenta a proibição de qualquer tribunal aplicar nos feitos submetidos ao seu julgamento normas que infrinjam o disposto na Constituição (cfr. o artigo 204.º da Constituição). A conformação dos poderes de cognição do Tribunal Constitucional em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade – apreciação da constitucionalidade (e, em certos casos, também da ilegalidade) de normas jurídicas aplicadas por outros tribunais, não obstante a sua constitucionalidade ter sido questionada, ou recusadas aplicar pelos mesmos, com fundamento em inconstitucionalidade (cfr. o artigo 79.º-C da LTC) – tem, desde logo, dois tipos de consequências, assim destacadas por Cardoso da Costa (“Jurisdição Cons- titucional e Jurisdição Comum (Cooperação ou Antagonismo?)” in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim Gomes Canotilho, vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 2012, pp. 193 e seguintes, pp. 202-203): – «[A] tutela ou garantia contenciosa da conformidade constitucional – nomeadamente sob o ponto de vista do res- peito pelos direitos fundamentais – de outros atos ou situações jurídicas fica exclusivamente confiada à responsabi- lidade dos tribunais comuns […] E será designadamente assim quanto às próprias decisões judiciais em si mesmas consideradas – é dizer, no tocante a essas decisões quando a questão da sua conformidade com a Constituição não tenha a ver e não dependa da constitucionalidade da norma ou normas jurídicas que as suportam ou de que fazem aplicação»; – [Q]uando o Tribunal Constitucional é chamado a pronunciar-se, em via de recurso, sobre certa norma […], o seu juízo vai afinal incidir, não sobre uma norma cujo sentido ele tem direta e primariamente de estabelecer, e antes, sobre a norma com o sentido e alcance que foram pré-definidos pela decisão de um outro tribunal [, pelo que] a sua apreciação e a sua decisão não têm de respeitar necessariamente à norma on its face e em toda a sua dimensão, mas bem podem (e devem) muitas vezes circunscrever-se a uma sua certa interpretação – sendo só essa interpretação (a estabelecida pelo tribunal recorrido) que o Tribunal, consoante o que sobre ela vier a entender, avalisará ou cassará». Por outro lado, os recursos de decisões negativas de inconstitucionalidade – como sucede no presente caso – só podem ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obri- gado a dela conhecer: a parte questiona a constitucionalidade de determinada norma aplicável ao caso e o tri- bunal decide contra a parte, não julgando a norma inconstitucional (cfr. os artigos 280.º, n.º 4, e 72.º, n.º 2, da Constituição e da LTC, respetivamente). Não ocorrendo tal suscitação prévia da inconstitucionalidade de uma dada norma, a parte interessada carece de legitimidade para, em momento posterior, interpor recurso para o Tribunal Constitucional de decisão que, em seu entender, tenha aplicado essa mesma norma, por si tida como inconstitucional. Ou seja, a legitimidade do recorrente só se mostra assegurada desde que exista identidade entre a questão de inconstitucionalidade (normativa) por si colocada ao tribunal recorrido em

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