TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
736 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Cremos, mau grado poder admitir-se que tal não se apresenta com nitidez evidente, que na norma em referên- cia, mais do que uma solução claramente oposta à da lei geral, se contém antes uma solução específica diferente da nesta estabelecida, fundada em razões de conveniência e oportunidade, principalmente de justiça concreta em que a equidade se funda e, nessa medida, não nos custa entendê-la como norma especial e, logo, suscetível de aplicação analógica. O ponto de partida para a analogia é a similitude das situações. O art. 930.º-C do CPC permite ao executado, no caso de pedido de entrega de imóvel arrendado para habi- tação, diferir a desocupação por razões sociais imperiosas, devendo, nomeadamente, ponderar-se a circunstância de o executado não dispor imediatamente de outra habitação, o número de pessoas que com ele habitam, a sua idade, o seu estado de saúde e, em geral, a situação económica e social das pessoas envolvidas (n.º 3 do art. 930.º-C, igualmente introduzido pela Lei n.º 6/2006). In casu , o que escapa à previsão da lei é apenas o facto de se não estar perante um imóvel arrendado, nela cabendo o demais circunstancialismo factual que, de resto, vai de encontro aquilo que é o seu nuclear e final escopo – minorar as consequências sociais e humanas da falta de habitação –, a justificar algumas limitações ao direito de propriedade, por apelo à função social que a propriedade assume no nosso projeto económico-social constitucional (cfr. Ac. do TC n.º 420/00, de 21-10-2000, DR II, de 22-11-2000). Efetivamente, a recorrente tinha legitimidade para requerer o diferimento da desocupação do imóvel, pois só esta extensão do artigo 864.º do CPC, a situações análogas se compagina com os postulados da justiça e da boa fé que devem presidir ao pensamento legislativo, tanto mais que no articulado apresentado, alegou factos demonstra- tivos das razões sociais imperiosas do requerido, ofereceu provas e indicou testemunhas, pelo que tal pedido não deveria ser indeferido, sob pena de violação ostensiva do direito à habitação previsto no art. 65.º da CRP. Devendo, para esse efeito ser declarado inconstitucional o art.º 864.º do CPC, quando se considera que por se tratar de uma norma excecional, não admite a aplicação analógica a situações de imóveis não arrendados, como é o caso dos autos. Assim, entende a recorrente que a interpretação dada ao art.º 864.º do CPC, no Acórdão sob recurso, é vio- ladora do princípio do direito à habitação previsto no art.º 65.º da CRP, e, outrossim, do princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º, n.º 1, da CRP), por compressão dos direitos de defesa. O artigo 20.º, n.º 1 da CRP – acesso ao direito e aos tribunais – garante que a todos é assegurado o direito a que a sua causa seja submetida a um juiz, para a declaração e o exercício de direitos, e é constitucionalmente asse- gurado com a disponibilidade processual adequada, que pode limitar-se a um único grau de jurisdição; a norma constitucional e a substância do direito não exigem, apenas por si, a organização de competências e do processo em vários graus de jurisdição. Conclui-se, pois, que no caso concreto não está satisfeita a exigência constitucional vertida no art.º 65.º e 20.º, n.º 1 da CRP. Com efeito, é inconstitucional, o art.º 864.º do CPC, quando considerado uma norma excecional, que não admite a aplicação analógica a situações de imóveis não arrendados. Sendo que a questão de inconstitucionalidade do art.º 864.º do CPC e violação dos art.º 65.º e 20.º, n.º 1 da CRP foi já suscitada nas alegações de recurso apresentadas para o Tribunal da Relação do Porto, tem a recorrente o direito a ver apreciado o recurso interposto para o Tribunal Constitucional. Termos em que deve ser admitido o presente recurso, a subir imediatamente, nos autos, com efeito suspensivo, nos termos do art. 78.º da L TC, com as legais consequências». 3. Por meio de despacho proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, o recurso não foi admitido (fls. 123): «Como se evidencia das alegações recursivas a recorrente estrutura o recurso para o Tribunal Constitucional com fundamento na al. b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82 de 15/11 (LOTC).
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=