TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
735 acórdão n.º 223/18 O presente recurso vem interposto do douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que julgou a apelação interposta improcedente por não provada e, consequentemente, confirmou a decisão recorrida. A recorrente não se conforma com a interpretação aí plasmada, segundo a qual o diferimento da desocupação do imóvel arrendado para habitação, consignada no art.º 864.º do CPC, não poderá ser reconhecida a detentores do imóvel, relativamente aos quais se verifiquem razões sociais imperiosas. Uma vez que, segundo a interpretação do Tribunal a quo, tal norma – o art.º 864.º do CPC, sendo uma norma excecional, não permite aplicação analógica, nos termos do art.º 11.º do CC, nem interpretação extensiva. Mais não se conforma a recorrente, que essa circunstância – o não reconhecimento do diferimento da ocupação ao detentor do imóvel – permita que o Tribunal possa decidir pelo indeferimento, sem audição das testemunhas arroladas, por entender que se trata de um ato inútil. Considera a recorrente que tais entendimentos violam de forma ostensiva o direito à habitação e o direito ao acesso aos tribunais previsto nos art.º 65.º e 20.º da CRP Foram, pois, violados, com a decisão de indeferimento, o n.º 4 e 5 do art.º 20.º da CRP que consagra o prin- cípio da tutela jurisdicional efetiva, prescrevendo-se que nas causas em que as partes intervenham, a decisão deve ser tomada mediante processo equitativo, nomeadamente à luz do princípio do contraditório. E, foi ainda violado, com esta decisão, o disposto no art.º 6.º n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que prescreve: “Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativamente (...) por um tribunal (...) O Tribunal recorrido, ao não permitir que a recorrente fizesse prova dos factos alegados, indeferindo liminar- mente o pedido de diferimento de desocupação do imóvel, violou o seu direito à tutela efetiva, consagrado no artigo 268.º, n.º 4, da CRP. É sustentado no douto Acórdão o Acórdão da Relação de Lisboa, de 01/07/2010, Processo 11/03.4TBALM, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrl, que o artigo 930.º-C, atual art.º 864.º do CPC, se poderia aplicar analogica- mente a situações em que se trate de imóveis arrendados a não arrendados, desde que semelhantes e justificadores de tal aplicação analógica. Decidiu este douto Aresta que Posto isto e olhando agora mais de perto para o art. 930.º-C do CPC, temos que neste se prevê, no caso de imóvel arrendado para habitação, o diferimento da sua desocupação, por razões sociais imperiosas. É apodítico que esta norma foi pensada para os casos em que o uso e fruição do imóvel estava legitimado por uma relação contratual de cedência desse uso e fruição, com a contrapartida do seu pagamento, traduzida na respetiva renda, criando-se como que um retardamento legal das consequências normalmente associadas ao termo dessa relação contratual. O que não é o caso dos autos, pois não se está aqui perante imóvel que tenha sido objeto de um contrato de arrendamento outorgado pela opoente, não obstante esta o ter vindo a ocupar para a sua habitação e do seu agre- gado familiar. Dispõe a art. 10.º do CC que “os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos” (n.º 1), havendo ‘analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas de regulamenta- ção do caso previsto na lei” (n.º 2). Por outro lado, o art. 11 º do CC proíbe a aplicação analógica das normas excecionais. Para se poder dizer que uma norma é excecional importa verificar se se está ou não perante um regime oposto ao regime regra. As normas excecionais são, pois normas que, “regulando um sector restrito de relações com uma configuração particular, consagram para o efeito uma disciplina oposta à que vigora para o comum das relações do mesmo tipo, fundada em razões especiais, privativa daquele sector de relações” (Pires de Lima e Antunes Varela, ob cit, pág. 76). Destas distinguem-se as normas especiais que, regulando igualmente um sector restrito de casos, consagram uma disciplina diferente, mas que não é diretamente oposta à do direito comum, não valendo para estas a proibição do art. 11.º do CC, que apenas vale para as normas excecionais (Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit. , págs. 79 e sgs.).
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