TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 101.º volume \ 2018
73 acórdão n.º 225/18 pessoa do dador, bem como da mulher portadora, antes se traduzindo e manifestando na geração de outra pessoa, com direitos autónomos, conclui-se que esse direito não deve poder restringir os direitos já referidos dessa outro pessoa ”. A jurisprudência nacional, acompanhando o movimento científico e doutrinário, nacional e internacional, mostra-se cada vez mais consciente da importância e reforço do direito a conhecer a identidade genética, enquanto parte do direito à identidade. Mais, as recentes alterações à Lei da Adoção consagram exatamente este entendimento. Senão, vejamos: – Na versão do artigo 1985.º do Código Civil, posterior à reforma de 1977, previa-se o segredo da identidade do adotante como uma medida destinada a proteger a família adotiva de eventuais extorsões por parte dos pais biológicos; a iniciativa do pedido de segredo cabia ao próprio adotante, e era restrita aos casos em que o menor fosse judicialmente declarado abandonado; quanto ao segredo dos pais biológicos e o seu direito ao anonimato, o mesmo não era garantido pela lei; – Com as alterações ao regime da adoção pelo Decreto-Lei n.º 185/93, de 23 de maio, o segredo da identi- dade do adotante tornou-se o regime regra, ao passo que o segredo da identidade dos pais biológicos apenas se aplica mediante declaração expressa daqueles nesse sentido; – Com o atual regime jurídico do processo de adoção, aprovado pela Lei n.º 143/2015, de 8 de setembro, passa a ser assegurado o acesso ao conhecimento das origens ao adotado com 16 anos ou mais de idade que manifeste essa vontade (com a autorização dos pais ou legal representante, enquanto for menor); e tal acesso é assegurado através de processo administrativo, só havendo lugar a intervenção de uma autoridade judiciária (M.º P.º) quando se trate de circunstâncias excecionais e de motivos ponderosos. Importa ainda referir que uma Resolução do Parlamento Europeu sobre fecundação artificial in vivo e in vitro , de 16 de março de 1989, concretizando o direito ao conhecimento das origens genéticas, veio determinar aos Estados o respeito pelo direito da pessoa gerada com recurso a essas técnicas a conhecer a sua origem genética, nos mesmos termos em que tal direito do adotado seja tutelado. A exigência de recurso ao tribunal para efetivar o conteúdo essencial do direito à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade de pessoa nascida de PMA, bem como de “razões ponderosas” para a conces- são de tutela constitucional, são manifestamente desproporcionais quando confrontadas com os restantes direitos fundamentais em causa. Por tudo quanto foi dito anteriormente, muito em particular o alargamento da possibilidade de aplicação de técnicas de PMA e a alteração do modelo subsidiário até agora vigente, parece aos requerentes por demais evidente a natureza excessiva da restrição imposta no artigo 15.º da Lei n.º 32/2006, de 26 de julho, ao arrepio da regra da proporcionalidade constante do artigo 18.º, n.º 2, da CRP, e a consequente violação do direito à identidade pes- soal e ao desenvolvimento da personalidade, da dignidade da pessoa humana e, não menos relevante, do superior interesse da criança, em relação ao qual o Estado tem um particular dever de proteção, como decorre do artigo 69.º da CRP. Violação do princípio da igualdade Atento o supra exposto a respeito do direito ao conhecimento da identidade genética, consideram os subs- critores que, por essa via, é também violado o princípio da igualdade perante a lei, porquanto só uma parte da população portuguesa – a que não nasça por recurso a técnicas de PMA – tem direito ao conhecimento da sua identidade genética, dele ficando excluídos os que assim nasçam. É certo que, por razões de conhecimento de eventual impedimento matrimonial, e se o doador o consentir, ou por razões ponderosas reconhecidas mediante decisão judicial, a identidade genética do doador pode vir a ser revelada. Mas não há um direito universal a esse conhecimento, direito que apenas é reconhecido a quem não nasça por recurso a técnicas de PMA, que, recorde-se, passou a ser possível para toda e qualquer pessoa que a elas queira recorrer
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